sábado, 28 de março de 2015

15 - CANTO REBELADO * Rimance de um homem aflito







Vivi os tempos escuros,

quando as palavras proscritas

amanheciam nos muros

as verdades interditas.



Vivi os tempos parados,

quando o medo proibia

os alvores incendiados

da manhã que amanhecia.



Vivi os tempos cinzentos,

monotonia incolor

negando aos olhos sedentos

caleidoscópios de cor.



Vivi os tempos sem horas

dos relógios sem ponteiros

eternizando em demoras

o poder dos carcereiros.



Vivi a aurora vestida

de pétalas carmesim

e acreditei que era a Vida

que sorria para mim.



Vivi depois o desgosto

de me darem a beber

vinagre que não o mosto

que a aurora dizia ser.



E vivi o despertar,

que sempre o sonho envenena,

de armas na mão, a gritar

que o sonho não vale a pena.



Fiquei incrédulo e aflito

com semelhante dislate!

Este sonho em que acredito

adia-se, mas não se abate.





José-Augusto de Carvalho
28 de Março de 2015
Viana * Évora * Portugal

sexta-feira, 27 de março de 2015

03 - ESTA LIRA DE MIM!... * Em nome de mim






Os oráculos dispenso

e dispenso as profecias.

Se são meus estes meus dias,

aos meus dias não pertenço.



Nunca mais sol nem luar,

nem céu que por seu me tome.

Nem a pedra tumular,

nem a lembrança de um nome!



Que tudo regresse ao nada

ao que o tudo se resume,

em derradeira alvorada

de espanto, de luz, de lume…



E que tudo se consuma

no fundo deste meu mar,

onde almejo naufragar

entre ondas e nívea espuma.





José-Augusto de Carvalho
27 de Março de 2015.
Viana*Évora*Portugal

quinta-feira, 26 de março de 2015

13 - NA PALAVRA É QUE VOU... * Os pontos nos ii


A Poesia tem vários caminhos, como muito bem sabemos. E também tem diversos discursos. Isto porque Poesia é uma coisa e outra os seus discursos. Daqui decorre apreciarmos mais uns do que outros, conforme a nossa sensibilidade.

O século XX trouxe o Futurismo, o Dadaismo, o Surrealismo. Os discursos impostos por estes movimentos nunca me seduziram. Claro que os entendo e que reconheço a cada um exprimir-se como entende adequado. 


Também nos discursos diversos da Poesia não me seduzem vulgaridades e/ou obscenidades. 


O meu discurso da Poesia passa pela elevação e pela busca da beleza das imagens, pelos ritmos e pela musicalidade. Pode ser que canhestramente o faça, e se sim, apenas porque não sei fazer melhor.


A minha postura em nada critica os que seguem outro ou outros discursos. Respeito os caminhos que os outros escolhem, mas reservo-me o direito de lhes exigir reciprocidade. O Tempo, o implacável Juiz de todas as coisas, nos absolverá a todos… ou não.
.


José-Augusto de Carvalho
26 de Março de 2015.
Alentejo * Portugal

quarta-feira, 25 de março de 2015

15 -CANTO REBELADO * A Praça do Desplante







A Praça do Desplante está vazia.

Apenas o cansaço do pregão

do velho cauteleiro que porfia

na venda da miragem da evasão.




Quem passa afasta a sorte com um gesto.

O gesto de quem diz não vale a pena.

E o velho aceita o não sem um protesto

ou um esgar de continência obscena.




E vai, por entre as sombras, à deriva,

oferecendo a sorte, no vazio

sonâmbulo da Praça do Desplante.




Mas ninguém quer a grande, a grande esquiva!

E as sombras, num instante corrupio,

aguardam que outro Dante as veja e cante...







José-Augusto de Carvalho
31 de Julho de 2008.
Viana * Évora * Portugal


                                 

15 - CANTO REBELADO * Vivi...






Vivi os tempos de memória dolorosa,

sofrendo o medo aquartelado a cada esquina.

As rubras pétalas, agónicas, da rosa,

espezinhadas e sangrentas, em ruínas.




Vivi os tempos do não-ser dos humilhados.

Silente treva de ofendidos... Solidão

de grades frias e de estátuas... Modelados

perfis de culpa não formada e de irrisão.




Vivi os tempos blasfemados da luxúria,

do verbo azul crucificando a luz e os astros

num ávido êxtase de escombros e de fúria,

cantando e rindo os vendavais hostis dos castros.




Vivi os tempos dos fantasmas sem medida!

Vivi as forças das marés vivas da Vida!



José-Augusto de Carvalho
Julho de 2002
Viana * Évora * Portugal

domingo, 22 de março de 2015

11 - O MEU RIMANCEIRO * Direcção


(QUE VIVA O CORDEL!)





Gastei as solas das botas

pelos caminhos da Vida

e com tantas anedotas

foi viagem divertida



De estalões os mais diversos,

vi em amoral cadência

persistentes e dispersos

e sem pudor nem decência



Enormes na pequenez

que subverte e desfigura

em toda a sua nudez,



eram grotescos comparsas

actuando em sinecura

na mais obscena das farsas





José-Augusto de Carvalho
25 de Abril de 1994
Lisboa * Portugal

30 - ...E CONTIGO MORRI NESSE DIA * Êxtase






Em mim desceste luz

e o mundo foi brinquedo em minhas mãos.




Dormi criança trémula

nos páramos sidéreos dos teus braços,

depois de nos teus seios

saciar a minha sede de infinito.




Olhei à minha volta e só vi cor.

Olhei o céu e o sol do teu olhar

--- os meus sonhos de infante...




Feliz, fechei os olhos.

Senti parar o mundo em minhas mãos

e os astros foram pétalas juncando

a estrada do infinito

para passares para além do tempo!





José-Augusto de Carvalho
6 de Fevereiro de 1968.
Lisboa * Portugal

sexta-feira, 20 de março de 2015

02 - TEMPO DE SORTILÉGIO * Delírio



Delírio quando penso em ti e te contemplo!

Do teu sorriso lindo abrindo-se em ternura…

Vertigem que enlouquece e longe me tortura…

Mulher-menina e luz do meu profano templo.



Delírio quando a brisa amena acaricia

as rugas do meu rosto exausto de cansaço…

E sinto nessa brisa o trémulo compasso

do teu-meu coração em branda melodia!



Deliro quando escuto o som da tua voz

cantando no meu peito um hino de saudade,

trazendo-me de longe um tempo sem idade

que recusou morrer no mar com meus avós!



Deliro quando sinto o cheiro a maresia!

Regresso às velhas naus dos tempos de Cabral!

E parto, peregrino! Adeus, meu Portugal!

Em busca de mim mesmo eu vou nesta ousadia!



Deliro e quero, assim, perder-me no delírio!

A nossa vida teve a perda por destino!

A perda deste chão… porque outro descortino!

Se for martírio, oh pátria, é só mais um delírio!...





José-Augusto de Carvalho
Maio (ou Junho) de 2002.
Viana*Évora*Portugal

06 - TUPHY VIVE! * Perturbação





Eu quero-te a mulher mais bela do deserto!

Nas dunas do teu peito erguer-me e ser crescente!

Amar-te no destino insano em que desperto

e matizar-te toda em chamas de Poente!



Saber-te num delírio estreme de Oriente,

cantando, na metralha, um hino tão liberto

que toda a nossa dor do coração se ausente

e a nossa paz de ser se imponha ao tempo incerto!



Eu quero-te mulher perfil dum horizonte

sem gritos de agonia e sem perversidade

negando à nossa sede o bálsamo da fonte!



Eu quero-te a certeza em sangue de verdade!

Eu quero que o luar, ungindo a tua fronte,

te faça renascer p’ra sempre Sherazade!



*

José-Augusto de Carvalho
16 de Julho de 2002.
Viana * Évora * Portugal

24 - CULTURA DOS AFECTOS * Fogo no Berço


FOGO NO BERÇO

Zéferro, 5/8/2003

Com minha homenagem aos amigos Cristina Pires e José-Augusto de Carvalho,
queridos representantes da brava e romântica gente lusitana!

-/-

O Fogo que devasta a Lusitânia




Queimando sem piedade essa beleza,

nos traz à mente o crime da insânia 

daqueles que arrasam a natureza.

O Homem criatura mais estranha,

destrói sem complacência sua defesa!

Oh Céus, que tendes todo o poder,

fazei a terra linda renascer!

*

Não há pranto dolente como o fado,

nem algo mais suave que’alma lusa!

História gloriosa no passado,

que seja de vitórias tão profusa

por todo o Universo espalhado

o lábaro que a nossa raça usa!

Herdeiros dessa cepa de beleza,

uni-vos pela terra portuguesa!

*

Oh lágrimas que correm sem cessar!

Oh preces que aos céus sobem plangentes, 

levai alívio pronto além-mar

àqueles que encantam tantas gentes!

Parai, oh fogo insano, de queimar

a terra donde somos descendentes!

O nosso berço volte a embalar

os sonhos que aprendemos a amar!

*

J. F. Marques de Souza

***




Amargura


Barões, navegadores, vagamundos…

Artífices de fastos e de impérios…

De lendas e feitiços oriundos,

sujeitos de aventura e de mistérios

e náufragos dos mares mais profundos,

nos pélagos cavando cemitérios…

Por nós e contra nós nos entregámos

e nunca, em nosso alor, nos encontrámos!

*

Em autos de ira e fé ardemos tantos!

Por causas sempre alheias nos batemos.

Lavámos de desgostos e de prantos

mulheres, mães e filhos que perdemos.

Deixámos neste mundo os desencantos

que com a nossa carne em dor erguemos.

Ficou nesta amargura do que somos

o sonho que sonhámos e não fomos.

*

O fogo vem queimar agora o resto…

A cinzas reduzir o chão exausto.

O mesmo fogo ainda onde me cresto

ressurge dum passado de holocausto.

Do ser para o não-ser aqui me apresto,

bebendo fel e cinzas num só hausto.

Cansada, a terra-tumba que me acena…

Cansado… porque não valeu a pena!

*

José-Augusto de Carvalho
15 de Agosto de 2003.
Viana*Évora*Portugal

24 - CULTURA DOS AFECTOS * Apresentação



Lizete Abrahão * José-Augusto de Carvalho




Pois, menino, vem te chegando!

Nada melhor que este recanto…

São amigos um bom mate cevando,

Bebendo o doce prazer do canto.



Eu amo ver tanta gente amiga

Como um tecido forte colorido

transluzindo brilhos numa cantiga

que ora ouço neste grupo querido.



Te dizes assim inexperiente

De fazer versos e cantorias.

És um poeta, já se sente

Pela voz das tuas poesias.



Traze o canto de encantar sereias!

Vem sussurrar amor e carinho,

Sentir as musas nas tuas veias

Para delas iluminares o caminho.



Mereces bem mais, ó lindo vate

Que estas riscadas humildes linhas!

Sou gaúcha, nada jamais me abate!

Na coragem, fiz espadas e bainhas!






Menino fui de minha mãe, um dia…

Menino já não sou de mais ninguém!

O tempo, em mim, agora, é de invernia.

Meu tempo um outro tempo já não tem.



Se canto, o meu cantar já não encanta.

Morreram as manhãs primaveris.

Ficou em mim na voz que se levanta

Ainda um grito que já nada diz.



Sou débil nos saberes por carência.

Ninguém responde nunca aos meus porquês.

E sempre assim vivi nesta indigência…

Sem sim nem não, sobeja-me o talvez.



Nos braços das sereias tive fim,

Nos tempos em que soube merecer-me.

Um sonho de ilusão restou de mim,

Um fogo frio só a arrefecer-me.



Das terras de além-mar, por que me acenas

E tentas deslumbrar-me em utopia?

Agora é muito tarde, eu sou apenas

Saudade da fogueira – a cinza fria.


*
Ano de 2002

quinta-feira, 19 de março de 2015

24 - CULTURA DOS AFECTOS * Paisagem






Lílian Maial / José-Augusto de Carvalho

***

Se, por um lado,

já pintei e bordei,

amei, cuidei, doei,

tomei, abusei, fiz sorrir;

hoje, nada mais sei de cores,

nada entendo de amor ou família.

Passo as horas como um tom pastel,

à espreita, na janela,

entrecortada,

entre cortinas,

como parte da mobília.


***/***

Quis sempre ser o lado

da cor e do perfume, 

amar e ser amado,

ser acha e ser calor do mesmo lume.

Eu, hoje, quero ser o mesmo de ontem.

Olhar e perceber.

Os outros não me cansem nem me apontem

caminhos que eu recuso percorrer.

Os tempos do meu tempo… o tempo ousado!

O tempo de lutar, sofrer, morrer

será sempre o meu lado.

***

Julho de 2002

24 - CULTURA DE AFECTOS * Sonetos da entrega



Sonetos da entrega

Lílian Maial * José-Augusto de Carvalho


*

Ainda vejo o teu olhar de arder mil mares,

o mesmo olhar que me queimou do teu amor.

Enquanto a música soava pelos ares,

era o teu beijo que esquentava o meu calor.

*

Ainda vês, amor, e sempre me verás

ardendo no luar das noites que são nossas.

A brisa, num rumor, insiste, ardente, e traz

o mesmo encanto de alma haurido em que te adoças

*

Ainda sinto a tua pele em minha face

e o teu sussurro a me dizer tudo o que eu quis.

Por mais que eu tente, não consigo algum disfarce,

só em teus braços eu consigo ser feliz

*

Macia, a tua pele é fogo que me aquece.

Aquece sem doer, num sacrifício de ara.

E tudo em derredor em êxtase acontece!

E o nosso entontecer deslumbra a gente ignara…

*

Se essa paixão que me consome não tem fim,

seria tola se não lesse nos teus olhos

o sobressalto que o teu peito me sorri.

*

O fogo a crepitar em chama nos consome.

Eu tenho-te num sonho idílico, em delírio,

e em nós é saciada a angústia desta fome!

*

Porém, mais tolo só tu mesmo, ai de mim,

tu que relutas em deixar-me um mar de abrolhos,

sem perceberes meu destino junto a ti

*

Meu sangue igual ao teu, alentejano ou sírio,

é sangue de Ismael! Quem há que o gele ou dome?

Que nos separa, amor? Que impõe este martírio?

*
*
(Parceria de sonetos publicada em 12 de Julho de 2002
num espaço sediado no Brasil.)

quarta-feira, 18 de março de 2015

16 - NA ESTRADA DE DAMASCO * Desafio





Senhor, aqui me tens inerme e subjugado,

sem coração nem paz, nem alma --- despojado.



Quiseste sempre em mim a angústia macerada

do cálice de fel do barro em provação.

Não sei que mal te fiz. A tua mão pesada

esmaga-me e retarda a transfiguração.



Hesitas decidir (?) e a massa informe espera.

Que irá a tua mão austera modelar?

Se for um vegetal, quisera ser uma hera…

…para no meu amor p’ra sempre me enlaçar.



Enorme o teu poder. Limite não lhe enxergo…

Mas faças o que for, depois do teu fazer,

é minha a decisão. E doa o que doer,

garanto que a nenhum poder me rendo ou vergo.





José-Augusto de Carvalho
18 de Março de 2002.
Viana * Évora * Portugal

11 - O MEU RIMANCEIRO * Do amor


(QUE VIVA O CORDEL!)






Eu, nestas coisas do amor,



sou muito pouco entendido.


Há quem diga que tem cor

ou que é fruto proibido.




Outros dizem que é calor

onde o amante é derretido.

Outros dizem que é a flor 

do olor mais apetecido.




Tanta gente tanto entende

que eu até me sinto mal

de saber tão poucochinho...




Mas onde é que a gente aprende 

a ciência intemporal

de saber trocar carinho?







José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 29 de Maio de 2002.

15 - CANTO REBELADO * Admoestação




Quem és tu que não conheço 

e me dizes conhecer-me?

Eu sou e aqui permaneço 

neste dever de dever-me.



Conheceste-me, talvez, 

no princípio da jornada,

quando o tempo da nudez

era sonho e madrugada.



Ou quando o tempo da usura

o verbo me retraía

e a treva da noite escura

os meus passos protegia.



Ou quando as banalidades 

se exibiram sem decoro,

numa feira de vaidades

de histeria e desaforo.



Eu sou, no alor que persiste,

só mais um que, nesta estrada,

não se cansa nem desiste

de cumprir a caminhada.



E tu? Serás o comparsa

que, mimético no agir,

em cada farsa disfarça

a tragédia de trair?





Viana*Évora*Portugal
8 de Janeiro de 2000.
José-Augusto de Carvalho