quarta-feira, 12 de julho de 2017

37 - DO BAÚ DO ESQUECIMENTO * A Poesia é...

Do Baú do Esquecimento

Março de 2002

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-- A Poesia é… --

Maria da Graça Almeida
José-Augusto de Carvalho


A magia da palavra
é o camponês que lavra
A lágrima extravasada
sonha a massa levedada
O torpor de uma paixão
é o milagre do pão

A queixa procedente
é a razão da gente
É o pranto expressivo
do pássaro cativo
Prova exata do perdão
é o fim desta prisão
A espinha latejante
é o Sísifo cansado
grito rouco, alarmante,
desespero sufocado
diretriz da opinião
o verbo feito razão
é o riso incandescente
celeste e iridescente
é a nota da candura
que há em ti minha alma pura
na verdade da oração
do teu doce coração

é um drinque diferente
é o néctar dos eleitos
uma dose de ternura
a brincar nos nossos peitos
numa gota de ilusão
que é a nossa condição
de poesia e paixão

Perdão, Maria da Graça!
Esta asa inepta que voa
e nos teus versos destoa

é só uma pobre traça

terça-feira, 11 de julho de 2017

37 - DO BAÚ DO ESQUECIMENTO * Jornadas de desafio


Do Baú do Esquecimento

Aqui recupero alguns dos versos que escrevi em jornadas de desafio.

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Tema: Sempre amor


Sempre! O tempo que não passa!

O jardim do desafio

florindo em perene graça…

No teu peito, o desvario

da andorinha que esvoaça

nas tardes calmas de estio…

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José-Augusto de Carvalho

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Agosto de 2003, num outro espaço,
Desafio 2 – Rodada 6.



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Tema: Ser criança



Eu não sei se devo à Vida,

se a Vida me deve a mim…

Vivo como quem duvida

do sentido por que vim…

Se nada espero da Vida,

que espera a Vida de mim?

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José-Augusto de Carvalho

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Agosto de 2003, num outro espaço,
Desafio 2 – Rodada 5



-/-



Tema: Interior/exterior



“Morrer em azul cristal”,

com olhos de firmamento…

Deixar-te por madrigal

meu peito num só fragmento…

Fantasia sideral

em que por amor me invento…

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José-Augusto de Carvalho

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Agosto de 2003, num outro espaço,
Desafio 2 – Rodada 1

quinta-feira, 6 de julho de 2017

29 - ACÇÃO LITERÁRIA E CÍVICA * Prefácio para obra de Sandra Nóbrega


Sandra Nóbrega é a extremosa mãe de minha sobrinha-neta Núria e do adolescente Tiago. Os imperativos da Vida nunca nos permitiram uma convivência regular. Talvez por isso, fui surpreendido pela notícia do livro e mais ainda pelo convite para eu o prefaciar.

Escrevi algures: «(…) sou um cidadão versado em coisa nenhuma. O que sei, aprendi-o nas encruzilhadas da vida, comendo, aqui e ali, o pão que o diabo amassou. Não tenho, pois, quaisquer títulos académicos que me autorizem a falar de cátedra. Falarei, portanto, do rés-do-chão da vida.»

Aqui, entre montados e olivedos, no desencontro de uma terra de muito joio e pouco pão, recebi e li os “Pedaços d’Alma”. É um livro que revela uma mulher firme e determinada.

Ora bem, falando do livro, o primeiro livro da Sandra, que releva, sem ambiguidades, a sua relação consigo mesma e com os outros, começarei por dizer que não será casual a arrumação de dois textos --- respectivamente, o primeiro e o último da colectânea --- “Saudade” e “Porque é impossível esquecer-te, João Rui”. Em “Saudade”, a perda irremediável de sua mãe é racionalmente aceite e dulcificada por uma presença-relação que anseia projectar-se num infinito perene e estelar. E em “Porque é impossível esquecer-te, João Rui”, na perda também irremediável, é a demora presumivelmente fatal de assistência e a morte prematura que são dolorosamente verberadas, numa recusa indignada.

Imediatamente a seguir, encontro os textos “Ser Professor” e “Educação”, dois momentos de evidente exaltação da actividade docente que escolheu por vocação e paixão.

A autora, num momento de fraqueza, de humana fraqueza, em “Cruel e desigual” chora doridamente a perda da mãe. “Sem ti não há bonança e eu sinto que perdi o norte” é um momento tão doído que não consente qualquer assomo de firmeza ou determinação. É a dor que tudo esmaga, numa violência crudelíssima.

Em “Descompasso da Vida” encontro a condição de mãe até à dor suprema --- a perda do filho, que a autora tão bem define assim: “Fim da linha / irreversível / e uma parte de mim morre também.”

“Lado errante” é a utopia do eu livremente casado com a Natureza, num regresso à condição humana parte indissolúvel da Natureza, sem dogmas e sem peias que a ordem gregária viria a determinar como sociedade estabelecida.

“Madrugada de silêncios” é o eu sentindo o tudo que o circunda e envolve como um mundo exterior de que se liberta para plenamente trilhar o seu mundo interior, de “caminhos sinuosos”, aqui no reconhecimento da complexidade do ser-estar-sentir que determina cada ser humano, tamanha que ele mesmo a não apreende em toda a sua extensão.

“Simplesmente mulher” é um texto datado. A autora exalta a mulher: “Em cada mulher existe um tesouro imenso por descobrir.” E desta asserção parte para a condenação de todas as subalternidades, dependências e vilanias a que a mulher foi (e é) sujeita pela sociedade patriarcal, através de séculos. E permito-me recuar à minha distante juventude para recordar a perplexa interrogação que então eu fazia: como é possível tal degradação quando é a mulher-mãe que educa as crianças e nelas inculca os primeiros valores? Evidentemente, mais tarde, apercebi-me de que a questão não era tão simples assim…

Em “Outro dia”, o fascínio do mar parece confirmar, talvez sem que a autora de tal se aperceba, a teoria de que toda a vida terá provindo do mar. O mar na grandeza da sua dimensão, na contemplação, na calmaria e na procela, na libertação, na angústia do desafio, nas sereias do encantamento e da perdição.

Nos demais textos, com exclusão do último, a temática é o amor pelo outro. Sobressai o lirismo típico que prende, que nos encanta e nos perturba desde que a Poesia determinou a sua sublimação. Um poema de amor é sempre um encantamento, maior ou menor, dependendo naturalmente da virtuosidade verbal, mas sempre um encantamento. E não me parece oportuno tecer outras considerações sobre este encantamento. Bem avisados andaram os autores que nos legaram as mais portentosas histórias de amor quando, ultrapassadas todas as dificuldades, sempre concluíram: “E foram felizes para sempre!”

E eu, do rés-do-chão da vida, da antiga Viana de Foxem, hoje redundantemente do Alentejo, concluo recomendando a leitura de “Pedaços d’Alma”.

José-Augusto de Carvalho
Abril de 2009.