sexta-feira, 14 de agosto de 2020

16 - NA ESTRADA DE DAMASCO * Da efeméride


Na estrada de Damasco 
Da efeméride 



Ano após ano, a data se cumpria 

na translação soturna do deus Cronos. 

Trazia num alforge de abandonos 

a dor sem fim que só em mim doía. 



Há dores singulares, sem partilha 

possível nem conforto ou lenitivo. 

São dores que estrangulam o cativo 

num lento sufocar de gargantilha. 



No peito já desfeito, o cadafalso 

é o delírio obsceno da canalha… 

É nada se a pureza se enxovalha, 

é tudo quanto é reles, quanto é falso. 



Porque perdura a tentação do abismo, 

sempre a serpente ignóbil exorcismo? 





José-Augusto de Carvalho 
Alentejo, 12 de Agosto de 2020.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * Catarse (7)




Eu pouco, muito pouco, um quase nada eu sei, 

mas quando o Livro li, no espanto me enredei:
foi a revelação, 
foi a revelação que perene persiste.
Os pais de todos nós, por Deus e por acção.
Nomes são pormenor, na fé acreditei:
o Paraíso existe!



E vi o par eleito,

no seu amor perfeito,
sonhar e ser feliz nas áleas do Jardim.
Eu vi e me sonhei querendo para mim
uma ventura assim.



Perplexo, vi depois o fruto proibido

baloiçando pendente,
num derriço atrevido;
e perto, muito perto, a pérfida serpente
armando a tentação,
astuta e paciente,
nas malhas da traição.

Na verdade que foi e verdade perdura,
Eva cedeu à trama urdida livremente 
e lá foi ser maçã suculenta e madura
nos dentes da serpente...



Uma angústia mortal sufocou-me a garganta.

Que amor perfeito pôde haver desde o início?
Que mácula? Que ardil? Que embuste ou malefício
se impôs e contra Deus impune se levanta?



Aqui, eu desisti de ler o Livro antigo.

Verdade ou lenda, agora, que interessa?
O pântano instalou-se e trouxe por promessa
o embuste na serpente e o sonho por castigo.






José.Augusto de Carvalho

Alentejo, 11 de Agosto de 2020.















23 - NOSTALGIA * Luísa (1977)

Luísa e sobrinhos, Praia da Rocha, Agosto de 1977.

domingo, 9 de agosto de 2020

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * Catarse (6)

Catarse (6)



Soube da tremulina
quando o sol alucina.
E deste meu delírio
de sonhar-te o cantil
desta sede de Abril
surgiu o meu martírio.

Olor da melopeia
que encanta e que incendeia
meu sem tempo --- constante!
Se deslumbrado ardi,
ganhei no que perdi
o pouco por bastante.

O pouco que foi lenda
sonhada em oferenda,
sublimada no altar
de Apolo e de Afrodite,
horizonte limite
de ser sem me negar.


José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 31 de Julho de 2020.