sexta-feira, 28 de setembro de 2018

13 - NA PALAVRA É QUE VOU..., * Eu, aqui!


NA PALAVRA É QUE VOU...
.
 Eu, aqui!



Eu, português, aqui me situo:

Nesta Península europeia, banhada a Norte e Ocidente pelo Oceano Atlântico e a Sul e Oriente pelo mesmo Oceano e pelo Mar Mediterrâneo, eu sou, hoje, resultante de todos os que existiram antes de mim.

Fui ibero, quando a Península assumiu a designação de Ibéria; fui hispano quando o Império Romano decidiu designar a Ibéria como Hispânia; fui andalusi quando a dominação muçulmana chamou Al-Ândalus à velha Ibéria e à romana Hispânia; subsidiariamente, até poderei ter sido sefardita, já que a migração hebraica chamou Sefarad a esta minha muito amada e mátria península.

Não sei o que os rigorosos Historiadores pensarão do que eu digo; mas eu sei que a nostalgia dos tempos passados me leva a reclamar toda esta ascendência, para o Bem e para o Mal.

E não estou sozinho nesta nostalgia. Dos nossos tão antigos avoengos sobressai, entre outros, o lusitano Viriato, ibero e integrante da Lusitânia, chefe assassinado da resistência ao invasor Império Romano mais de um século antes da nossa era. Ora pois! Se a independência de Portugal remonta a 1.143, século XII, falamos de um ibero-lusitano que viveu e morreu (grosso modo) 1.200 anos antes de Portugal existir como país. E aqui chego à nostalgia dos tempos idos. A célebre resposta “Roma não paga a traidores” que terão recebido os assassinos de Viriato quando pretenderam receber o prémio da acção para que haviam sido aliciados está conforme as relações entre vencedores e vencidos. “Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”.

O Império Romano procedeu como sempre procedem os dominadores: autoridades pela razão da força, trouxeram inegavelmente saber e desenvolvimento e exploraram as riquezas naturais como proprietários que eram de facto.

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades / ganhando sempre novas qualidades”, precisou lucidamente Luís de Camões num dos seus sonetos mais famosos.

Está estudada a romanização de muitos e muitos países que surgiram na fase pós-romana. E não tenho conhecimento de os naturais destes países reclamarem o pouco ou o muito de que se apropriou o Império Romano ou de se permitirem apodá-lo de ladrão. E o motivo é claro: conforme o tempo que se vivia, os territórios ocupados eram propriedade do ocupante.

Ao que me consta, corre por aí uma “bem-pensante” teoria de que se deve reescrever a História e, mais ainda, ler o Passado com os olhos do Presente. E assim sendo, avante o julgamento do Passado! Ora do passado mais remoto ao mais recente se reclama a evolução da Humanidade. O Presente não mais é do que o resultado das lutas evolutivas, ora ganhas, ora perdidas, lutas onde venceram ou foram vencidos aqueles que querem hoje sentar no banco dos réus do tribunal do Presente.

Nesta miscigenação actual, quem me garante que no meu sangue não há vestígios de mártires ou de verdugos, de justiceiros ou de rendidos com honra ou sem ela?

Eu, português, aqui me situo como consequência do tudo que me gerou.

Sem preconceitos, sem jactâncias nem penitências e para o Bem e para o Mal, aqui estou na afirmação do que sou, conforme o tempo que vivo.



José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 28 de Setembro de 2018.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Terra antiga



LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO
.
Terra antiga 

Dórdio Gomes, Pintor Alentejano
(Com a devida vénia)


Para

Andrade da Silva e Serafim Pinheiro,

Capitães de Abril, meus Amigos






Na manhã sem palavras, a brisa 

orvalhada desliza 

no meu rosto. 

Na carícia de honesta ternura, 

sinto o gosto 

e o perfume da fruta madura. 

Terra antiga, 

suada e desnuda, 

que não muda 

quando a noite é de treva e castiga. 

Terra antiga de mágoas carpindo 

quando a força esmorece… 

Terra antiga do sonho mais lindo 

que entre mágoas e dor se levanta 

e manhã na manhã que amanhece 

polifónica canta. 

Terra antiga de Abril e de Maio maduro, 

que é de mar e de pão e de vinho! 

Terra antiga inventando o caminho 

do futuro 

com açordas de audácia e pão duro… 







José-Augusto de Carvalho 
Alentejo, 13 de Setembro de 2018. 

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

16 . NA ESTRADA DE DAMASCO * Pesadelo


NA ESTRADA DE DAMASCO

Pesadelo 






Avanços e recuos --- as propostas. 

O tom dum nepotismo autoritário. 

O trunfo é copas, ouros, paus, espadas… 

No pano verde sobem as apostas. 

O lucro fácil --- hausto perdulário 

exibe, em transe, as faces alteradas, 



Às portas da cidade, as sentinelas 

garantem a desordem ordenada. 

Além do fosso, jaz a terra imensa, 

exausta e quase estéril por querelas, 

rasgada e dividida em cada tença 

devida à hidra nunca saciada. 



E deus, que vive em glória nas alturas, 

nem olha por receio das tonturas 





José-Augusto de Carvalho 
In Vivo e desnudo, Editorial Escritor, 1996.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

29 - ACÇÃO LITERÁRIA E CÍVICA * A roseira


ACÇÃO LITERÁRIA E CÍVICA
.

A roseira 




Para Rochele Hey, minha Amiga




Latejam minhas têmporas. E agora? 

Não posso acreditar no pesadelo, 

não!, mas estou a vê-lo e a vivê-lo! 

Que negação me chega nesta hora? 



Que negação da vida vem e diz 

que o viço da roseira que floriu, 

da dádiva que foi se despediu, 

que os frios lhe secaram a raiz? 



Que ventos invernais de perdição 

devastam as roseiras do jardim? 

Que gelo de abandono resta em mim, 

nesta saudade de alma e coração? 



E a Vida pára neutra e inanimada, 

rendida ao que ficou --- rendida ao Nada. 





José-Augusto de Carvalho 
2 de Setembro de 2018. 
Alentejo * Portugal

domingo, 2 de setembro de 2018

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Confissão


NA ESTRADA DE DAMASCO

.

Confissão 






Confesso que não sei,
assim, na praça pública e desnudo.
e sem recurso à lei
que impõe saber de mim o nada e o tudo.


Não sei por que reclamo o sol do estio,
as chuvas outonais,
as neves da invernia - céus, que frio
doendo-me de mais!


E o sol da primavera
beijando cada ninho em construção
enquanto o Tempo espera
o parto, em oração.


E quando cada espiga me mitiga
a fome só de vê-la,
escrevo uma cantiga
no lucilar ardente duma estrela.






José-Augusto de Carvalho
14 de Junho de 2011
Alentejo * Portugal