quarta-feira, 28 de setembro de 2016

15 - CANTO REBELADO * Caminhos velhos




Por que insistes nas velhas estradas



que já sabes aonde vão dar?



Por que tanto receias ousar



rasgar novas estradas



no abandono das terras cansadas



de esperar?







José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 29 de Setembro de 2016.


domingo, 25 de setembro de 2016

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Tempo clandestino





Para todos aqueles que se deram na luta contra o fascismo 

no rigor da clandestinidade





As ruelas de terra batida

ocultaram a minha partida.



O negrume da noite tragou-me

numa cúmplice fuga.

Uma sombra furtiva e sem nome

que do rosto uma lágrima enxuga.



Em redor, o silêncio pesado

dos malteses do medo e do espanto

e os rafeiros rosnando ao cajado

que à distância mantém o levanto.



Chego, enfim, à estrada deserta.

Doravante, o caminho é obscuro.

E assim vou, de sentidos alerta…

E assim vou esventrando o futuro…





José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 18 de Março de 1997.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

15 - CANTO REBELADO * Do verbo








Saber!... e levo a vida a conjugar

o verbo encadeado nos seus tempos…



Confunde-me o presente afirmativo,

duma falaz jactância impertinente…



Diverte-me o pretérito insolente,

dourando as ignorâncias atrevidas…



Agrada-me o futuro na vontade,

de uma indulgência cúmplice e longínqua…



Detesto o autoritário imperativo,

explícito ordenado na desordem…

(… quando temor que baste já eu sofro

tentando conjugar em vão o verbo,)



Serei a vida inteira um aprendiz…

Benditos sejam os supostos mestres!





José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 14 de Abril de 1997.
Alentejo, 23 de Setembro de 2016.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

03 - ESTA LIRA DE MIM!... * Quem?







Quem disse e já não diz

que os nossos pés alados

são na terra a raiz

de astros incendiados?



Quem quis e já não quer

ser verbo que futura,

enquanto o sangue der

cor viva ao que procura?



Quem disse e nega agora

ter dito e defendido

que o drama que nos chora

não mais seria havido?



A quem tanto exaspera

o sol da Primavera?





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 1 de Fevereiro de 1999.
Alentejo, 22 de Setembro de 2016.

02 - TEMPO DE SORTILÉGIO * A falaz rotação




Há momentos na Vida

em que todos os homens são reis.



Não sei quem o afirmou,

mas sei bem que falando de reis

falarei, com certeza, de súbditos.

Eu prefiro a res publica.

Velha Grécia das ágoras,

Velha Grécia de Demos e kratos

vem valer-nos nesta hora à deriva!



Persistimos reféns da caverna.

É de sombras o nosso alimento.

Sombras vãs, fugidias, incertas,

num desfile de máscaras

deste nosso ancestral carnaval.



E nós vamos na marcha bailada,

sem cuidados,

inocentes meninos

inocentes meninas

de dançares de roda

em jardins ou recreios de escola.



Ébrios todos ou não(?)

nesta roda que gira

ou que finge que gira

imitamos o velho pião

na falaz rotação…







José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 21 de Setembro de 2016

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

06 - TUPHY VIVE! * A miragem de Tuphy





Passa o tempo e a saudade floresce

no dulçor que ficou no meu peito.

Sobre mim, sinto a noite que desce

num abraço de sonho perfeito.



Tangem sons melodias de Orfeu

e de Eurídice escuto o cantar.

Quem soubera que fim nos perdeu?

Que princípio nos quer encontrar?



Acrobatas no céu, andorinhas

são girândolas de asas dançando.

Sob um véu só de estrelas caminhas,

mais que todas no céu lucilando.



Devagar, abro os braços e espero

outra vez ouvir: como te quero!





José-Augusto de Carvalho
Al-Ândalus, 19 de Setembro de 2016

domingo, 11 de setembro de 2016

20 - VENCENDO BARREIRAS * Perguntas de um cidadão vulgar




Na esteira de Brecht…

Perguntas de um cidadão vulgar



Quem enlutou Granada, a cidade amada do poeta?

Nos livros, todos lavam as mãos, como Pilatos.

Onde foi sepultado o poeta e com ele o feitiço da Poesia?

Os livros nada dizem e eu não posso ir chorar no seu túmulo ensanguentado.

*

Badajoz tem uma praça de touros assombrada.

Quem entregou os patriotas vencidos ao pelotão de fuzilamento dos fascistas?

*

Era dia de mercado em Guernica, a vila basca.

Em nome de que causa aviões lançam bombas sobre mulheres e crianças?

*

Espanha ficou viúva.

Onde estavam os autoproclamados arautos da liberdade dos povos?

*

Depois da carnificina, o carniceiro recebeu felicitações pela vitória.

Que vitória?

Quem felicitou?

*

O povo de Espanha em vão pediu auxílio a Paris.

A neutralidade cúmplice impôs a sua lei e Espanha ficou sozinha.

Um ano depois, os nazis desfilavam em Paris.

A neutralidade serve-se fria.

*

Quando a besta caiu, cantaram loas à liberdade,

mas nenhuma das vítimas caídas cantou.

*

Quando o Coronel Arbenz caiu, a Nicarágua caiu com ele.

O católico Arbenz foi claro: a Nicarágua está muito longe de Deus

e muito perto dos estados Unidos da América.

Acta da Assembleia Geral da ONU regista. Quem sabe disto?

*

1973. Chove em Santiago!

O Governo Popular caiu em 11 de Setembro.


Allende tombou nos escombros do palácio presidencial bombardeado.

Hoje, os jornais não dizem nada.


Hoje, as rádios não dizem nada.

Hoje, as televisões não dizem nada.

*

O terrorismo é uma chaga.

O terrorismo de estado é uma chaga.

6 de Agosto de 1945, adeus Hiroshima!

9 de Agosto de 1945, adeus Nagazaki!

Mais de quinhentas mil vítimas da agressão nuclear. 


Barbaridade? Não, foi a guerra…

*

2001, o terrorismo afronta o Tio Sam.

Três mil vítimas indefesas. Paz às suas almas!

E os jornais escrevem, chorosos.

E as rádios falam, chorosas.

E as televisões, chorosas, dão imagens da barbárie.

Por que são choradas apenas algumas das vítimas da barbárie?

*

Tantas perguntas sem resposta!


*

José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 11 de Setembro de 2016.

sábado, 10 de setembro de 2016

26 - FRAGMENTOS * O elogio de Lavoisier





Na vida nada se cria…


Na vida nada se perde…


Que esperas, transformação?







José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 17 de Abril de 2004.

26 - FRAGMENTOS * Denúncia


Fragmentos

Denúncia






Num gesto de ignomínia consciente,


o todo foi tomado pela parte.


Mentir é indecente!





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 23 de Abril de 2004.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

03 - ESTA LIRA DE MIM!... * Ansiedade




Ansiedade




Se eu tivesse a coragem bastante

de inventar-me e inventado ser eu,

cantaria a aventura exaltante

de me ter encontrado

no caminho sonhado

por que anseio e que é meu.



Se pudesse matar esta fome

que é de angústia e de barro amassado,

eu daria o meu nome

ancestral

que é de céu, que é de mar, que é de sal

a este tempo incumprido e parado.







José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 13 de Novembro de 1994.
Alentejo, 9 de Setembro de 2016.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

15 - CANTO REBELADO * Proposição








A roda desta mentira,

que aliena e que destrói,

é verdade porque gira,

só porque gira e me dói.





Entontece-me a lonjura

tão fatal da translação

onde a luz e noite escura

são fases da rotação.





O Sol em chamas aquece,

a Lua morta reflecte,

sonhar não é proibido.





Servil, o servo obedece,

a superstição submete.

Ser em não-ser faz sentido?







José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 24 de Novembro de 1994.
Alentejo, 8 de Setembro de 2016.


25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Ser poeta



(Do baú do esquecimento)



Ser poeta






Um verso, um simples verso de um poema

não nasce por vontade de escrevê-lo.

Um verso é sempre a angústia de um apelo

na redenção de nós em hora extrema.



Um verso canta harmónico no peito

ou dói e é um soluço na garganta.

Um verso é um alor que se levanta

e contra o tempo voa ou cai desfeito.



A ti que julgas belo ser poeta,

e esquece aqui juízos de valor,

repara: quando a planta dá a flor,

é sempre uma promessa que projecta.



Na vida sempre somos a procura

que além nos ares ganha ou perde altura!







José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 12 de Julho de 1993.
Alentejo, 7 de Setembro de 2016.

03 - ESTA LIRA DE MIM!... * Catarse (3)

Catarse (3)




Não há porto de mim por achar.

Da distância que as velas venceram

só as quilhas na areia a varar

choram naus que no mar se perderam.



A distância de mim desvendada

é de terra e de mar, é de estrelas,

é de mãos estendidas no nada

sempre e sempre querendo colhê-las.



Neste chão, neste mar há os rastros

que doridos gravaram em mim

lucilares de angústias e de astros

de procelas e névoas de fim.



E porfio e suporto o cansaço

porque eu sou o que faço e não faço.





José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 5 de Setembro de 1996.
Alentejo, 7 de Setembro de 2016.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

93 - ESTA LIRA DE MIM!... * O perene murmúrio









Eu não sei se a palavra é bastante
para abrir os portais do horizonte.
Não sei mais se esta sede te cante,
se o feitiço da múrmura fonte.


Alguém diz: a nascente secou.
Ninguém ouve ou ninguém quer ouvir.
A notícia ninguém confirmou,
ninguém sabe o que está para vir.


O silêncio baloiça hesitante
no abandono dos lábios gretados.
Não há sede nem fonte que cante
os portais que persistem fechados.


Vem tão quente o verão! É de lume!
Há um auto profano a pairar
sobre as levas que em dor e azedume
resignadas recusam ousar.


E a palavra que não é bastante
cai aos pés dos portais do horizonte…
Que esta sede já velha te cante
o perene murmúrio da fonte!



José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 6 de Setembro de 2016.

03 - ESTA LIRA DE MIM!... * Cantar tem hora!


CANTAR TEM HORA!




Não canto, não me apetece

nem há motivo p’ra tal.

Se a Primavera trouxesse

outra canção no bornal,

ai, aí, eu cantaria

o elogio da Poesia.



Versos raiados de cores

e de silvestres perfumes,

embriagados de amores

sem ciúmes nem queixumes.

Versos rubros de manhã

em doçuras de romã.



Todo o meu cantar tem hora:

é quando o sonho entretece

deslumbramentos de aurora

e a vida viva acontece.

Quem tem hora p’ra cantar

o tempo de mal andar?





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 4 de Setembro de 2016.

sábado, 3 de setembro de 2016

02 - TEMPO DE SORTILÉGIO * Meditação




A minha casa está de mal comigo

ou eu talvez estou de mal com ela.

Se falo não escuta quanto digo,

se calo, alheia, nunca me interpela.



E, juntos, eu nem sei qual mais se ignora.

Vivemos um viver sem importância.

O tempo que outros medem hora a hora

é para nós atemporal errância.



Fizemos do silêncio a nossa paz.

A podre paz do fim que se assumiu.

Que importa o que se faz ou não se faz?



Lá fora, a vida segue de jornada,

nas malhas do que toda a gente viu:

que andar só por andar vai dar em nada.







José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 4 de Setembro de 2016.

15 - CANTO REBELADO * Da resistência








Nesta minha correria,

correndo atrás de quem foge,

que antemanhã antever?



Para mim, o tempo é hoje!

Sempre ser o mesmo dia…

angústia de o merecer.



Se recuso obediência

aos tempos que o tempo quer

é por sempre estar aqui!



Rebelde na resistência,

faça a força o que fizer…

não me perderá de ti!





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 1 de Julho de 2002.

02 - TEMPO DE SORTILÉGIO * Do vazio (1)







As palavras são vazias

se lhes falta o conteúdo

do rigor e do sentido.



No frio das noites frias,

tanto sempre, tanto tudo

é o nada definido.



Toda a promessa presume

o resgate de uma senda

num momento de aflição.



Só quando há dor há queixume!

Só quando há erro há emenda!

Que noite de provação!





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 2 de Julho de 2002.