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sexta-feira, 29 de maio de 2020

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Luís Vaz de Camões


LIVRO "TEMPO DE SORTILÉGIO"
.

IN MEMORIAM * Luís Vaz de Camões





Não é sonho, é inquietação.

Quando intuíste o que fomos, tu nos descobriste.

E quando desmascaraste a cobiça e a vã glória

que havia de perder-nos…

e quando lamentaste esta apagada e vil tristeza

a que nos condenámos

e quase nos matava em Alcácer Kibir,

tu viste que os perigos e as tormentas

medravam aqui e não no velho cabo

que deu a fama e a morte ao nosso Bartolomeu.

A pátria não morreu contigo,

mas nós percebemos,

nesse dia,

que chegara ao fim o tempo

daqueles em quem poder não teve a morte.




José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 7 de Agosto de 2019.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Em louvor da Poesia


Livro TEMPO DE SORTILÉGIO
.
Em louvor da Poesia




É quando o verso atinge a forma e ganha altura

em ritmos de manhã e de sonoridade

que o verbo se compraz em halos de ternura

e encontra para a Vida a rima em liberdade


É quando a Poesia autêntica revela

ser a raiz, a planta, a flor, a melodia

que a luz de cada dia entrando p’la janela

me serve embriagada a vida em Poesia


É quando a soluçar Eurídice me chama

das sombras do não-ser que sei que não morreu

a flor que se desfolha em versos nesta vida


É quando o coração se dilacera em chama

que sei que em todos nós ainda vive Orfeu

que nunca a Poesia em nós será perdida


*

José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 28 de Abril de 2005.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Asa ferida



LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO


.

Asa ferida







Os anos não passaram sobre ti.

És hoje e sempre assim eu te verei:

a rosa na roseira que entrevi,

olor e cor do sonho que sonhei.



Perfeita foi a Vida e eu me rendi. 

Ao fogo a consumir-me me entreguei. 

Nas cinzas onde ardido me perdi 

ainda abandonado me encontrei. 



Que importa agora o nada que ficou? 

Um dia só de sonho bastaria! 

Bendita sejas, asa que voou 

além do que sublima a fantasia! 






José-Augusto de Carvalho
Alentejo*Portugal

sábado, 18 de abril de 2020

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO (HARPEJOS) ` Luísa Fernandes




Sessão de lançamento de Harpejos


Intervenção de Luísa Fernandes


A aventura de ficar / nesta terra espezinhada / ou o delírio de acordar / pelas três da madrugada” foi responsável por o José-Augusto e eu nos termos cruzado nos caminhos de cravos e de libertação que Abril rasgou.

A Revolução trouxe o sonho real de nos darmos as mãos e de sentirmos bater nos nossos peitos o coração de um País sedento de afirmação e de identidade.

Os heróis de Abril aqui saúdo com a mesma emoção com que saudei, nos meus vinte e seis anos a Revolução dos cravos.
O José-Augusto escreveu outros livros depois de arestas vivas, de 1980, livro do qual destaco o pequeno poema-registo da aurora libertadora com que iniciei esta minha intervenção.

Abril está em quase todos os seus livros. É natural. Tanto ele como eu nos reclamamos do Povo que somos, do Povo que muito amamos.

Quis o Destino que nos cruzássemos de novo e que o José-Augusto me pedisse para estar aqui presente e para  participar nesta sessão de lançamento do seu último livro --- Harpejos.

Harpejos é um livro de cantares de esperança e de mágoa que o militar de Abril Serafim Pinheiro prefaciou e que duas companheiras de jornada enriquecem com textos tocantes --- a Céu Pires e a Rosa Barros.

Do prefácio, permito-me destacar: “Passei momentos de exaltação, alegria, tristeza, fascínio e avistei cabos do desespero e sofrimento quando ouvi estes cantares de José-Augusto de Carvalho. Vivi. Aprendi. Assim, quero continuar companheiro deste poeta que a Poesia não abandonou e se afirma, por seu carácter, transtagano de coração e alma e português de verdade.”

Também Céu Pires escreve, na introdução: “Da harpa que os seus dedos tocam saem as notas a que já nos habituou: “O amor à terra, particularmente à sua (nossa) terra transtagana, o amor à vida, o amor à palavra, mas também a denúncia das barreiras, de todas as barreiras que impedem a realização da Humanidade em cada ser humano.”

E a finalizar, Rosa Barros, no posfácio, salienta: “ José-Augusto de Carvalho canta o duro solo, o calor da terra, a revolta do suor, a luta pelo pão de cada dia, a solidão do pensamento, a solidariedade pelo semelhante, a pertinência pela defesa de ideais.”

O livro aqui fica.

As minhas saudações.

Luísa Fernandes

Lisboa, 15 de Dezembro de 2019.

sábado, 21 de dezembro de 2019

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * O derradeiro mito

LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO

*

O derradeiro mito






O Sol declina morno --- fim de tarde.

É tempo de vindimas --- cheira a mosto.

Há um rubor sagrado no teu rosto.

Teu corpo abandonado dá-se e arde.


Prosterno-me a teus pés e sou um círio

que um sacrifício de alma e luz consome.

Meus lábios balbuciam o teu nome

que dulcifica o fel do meu martírio...


Eu sei que vou morrer assim por ti.

Que dádiva dos deuses mereci

de em fumo me cumprir --- de ser o eleito!


Que importa agora quanto foi escrito?

Seremos nós o derradeiro mito...

...este princípio e fim mais que perfeito!



José-Augusto de Carvalho 
Alentejo, Dezembro de 2019.

sábado, 26 de janeiro de 2019

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * O encontro



LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO

*

O encontro 



Este texto, agora terminado, corresponde a uma promessa incumprida 
que fiz a Lizete Abrahão, em Porto Alegre, na primavera de 2002. 
Que me valha o conforto de a Lizete ter lido grande parte dele. 




No silêncio, adormece o sossego. 

O deserto parece assombrado. 

O meu branco albornoz aconchego 

e caminho no tempo parado. 



É de pedras o solo que piso. 

Pedras soltas, dispersas, vadias… 

Uma sombra, e tão mal a diviso, 

me garante que não há vigias. 



Nem sinal de uma entrada na gruta. 

É enorme o lendário rochedo! 

Meu olhar, sob a noite, perscruta. 

Sinto o frio suado do medo. 



Frente a frente, o Passado e o Presente. 

Balbucio as palavras da senha 

e, ante mim, a surgir, de repente, 

a verdade que a lenda desenha. 



Devagar, passo a passo, franqueio 

o portal que se abriu por encanto. 

Circunvago o olhar, sem receio, 

e respiro um Passado de espanto. 



Das pegadas de Ali nem vestígio. 

Das riquezas da lenda nem rastro. 

Entre o ser e o não-ser, o litígio 

da firmeza do vento e do mastro. 



E contrárias as forças serão 

das firmezas do mastro e do vento, 

quando a vela se enfuna evasão 

e nas ondas se vai movimento? 



E se falo de mar, o Simbad, 

da penumbra do tempo lendário, 

vem velar, nos jardins de Bagdad, 

o estertor do ladrão sanguinário. 



Mas eu quero bem junto de mim, 

neste transe de angústia e de espera, 

a lanterna que foi de Aladim, 

inventando no caos a quimera. 



Lá do fundo da gruta, o ruído 

se aproxima de uns passos seguros… 

Não é sonho, é alguém decidido 

que regressa aos instantes futuros. 



Aproxima-se um velho de mim. 

Traz nas mãos a lanterna apagada. 

Reconheço o lendário Aladim 

no seu rosto de barba nevada. 



Com um gesto me manda sentar 

nas areias ocultas da gruta. 

Só um raio de níveo luar 

nos observa em silêncio de escuta. 



Quando o velho me fala, estremeço: 

--- Alá seja contigo, meu filho! 

Do Passado que sou reconheço, 

no Presente que fores, o trilho. 



Quando intento a resposta, num gesto 

me remete ao silêncio. Obedeço. 

E prossegue num claro requesto 

de uma angústia em que me reconheço: 





--- Na magia sem tempo da vida, 

são um só o Passado e o Presente. 

Somos ambos, na espera sofrida, 

o caminho de nós, livremente. 



O murmúrio do Tigre se expande 

pelas terras do Fértil Crescente. 

E não há quem o cale ou lhe mande 

suspender ou mudar a corrente. 



Nestas terras de sonhos e lendas, 

sob um céu polvilhado de estrelas, 

há milénios que erguemos as tendas 

na ilusão de senti-las e tê-las. 



Neste berço nasceu Abrahão, 

que foi pai de Ismael e de Isaque… 

Novas hordas de hodierna agressão 

nos flagelam em bárbaro ataque. 



É o Inferno de portas abertas. 

Jorra o sangue na fúria ululante, 

desenhando as auroras incertas 

neste céu cada vez mais distante. 



Talvez seja a sentença já vista 

do martírio em Sodoma e Gomorra: 

p’ra que a vida na graça persista 

é preciso que a mácula morra! 



Sem palavras, no tempo medito: 

no que fomos, no quanto sonhámos… 

E pergunto-me, incrédulo e aflito: 

onde foi que nós todos errámos? 



Aladim, em silêncio, se afasta. 

Lá vai ele, lanterna na mão. 

Só, na dúvida que me desgasta, 

sinto a dor que devasta o meu chão. 




José-Augusto de Carvalho 
Porto Alegre, Primavera de 2002 
Alentejo, Janeiro de 2019.

sábado, 19 de janeiro de 2019

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Memória do tempo parado



CANTO REVELADO 


Memória do tempo parado 




Para os Capitães que sonharam e continuam a sonhar Abril 





E tanto por dizer ficou estrangulado 

nas malhas do silêncio azul e da clausura! 

Do risco de falar ao de ficar calado, 

medrava em cada olhar o esgar duma censura. 



Era o tempo parado 

dos altares pagãos 

onde foi imolado 

por atávicas mãos 

o devir revelado. 



Difusa, em cada esquina, a sombra desenhava, 

na mancha que sangrava as pedras da calçada, 

o desvario insone e plúmbeo procurava 

a brisa que trazia a nova perfumada. 



Era o tempo parado 

dos desígnios fatais 

dum fantasma danado 

a negar os sinais 

do devir revelado. 



Ah, meu amigo, e tu, nos longes por haver, 

ainda do silêncio infausto tão distante, 

vivias, no mistério, a sedução de ser 

um astro mais do céu a lucilar errante. 



Era o tempo parado 

da vergonha de nós 

no estertor resignado 

e no medo sem voz, 

a render-se calado. 



Chegaste, agora, são e salvo, e o tempo é teu! 

Bem-vindo sejas! Vem, no tempo que em ti cresce, 

ser mais um cravo-Abril, que o dia amanheceu, 

e deixa-te orvalhar de auroras e floresce! 



José-Augusto de Carvalho 
19 de Maio de 2009.. 
Alentejo * Portugal

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * O elogio do poeta



LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO 


O elogio do poeta 




Poeta sem diploma que te valha 

nem estatuto que te recomende 

na feira franca do consumo espalha: 

um verso não se compra nem se vende. 



Que a tua voz ressoe como um grito 

e assombre ou incendeie a multidão: 

um verso nunca pode ser maldito

 se exalta a nossa humana condição. 




Rebelde, o verso nunca se conforma 

com o silêncio inerte da mortalha. 

Se amante, faz da vida a sua norma, 

que tão-somente o puro Amor lhe valha! 



E o verso seja enleio enamorado, 

quando, pela tardinha, o sol declina, 

ou seja, ao meio-dia, um sol irado, 

quando inclemente cega a tremulina… 



Ou seja, no fulgor da rebeldia, 

a mesa, que sem pão, protesta -- basta! 

Ou seja o rio, em louca correria, 

que além das margens cresce e tudo arrasta!… 



Que um verso seja um verso além da rima! 

Que além do metro e ritmo, seja tudo! 

Importa que o poeta se redima… 

…e a redimir-se nunca fique mudo! 





José-Augusto de Carvalho 
9 de Janeiro de 2019. 
Alentejo * Portugal

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Na queda



LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO 


Na queda 





Sem rede ou outra protecção --- a queda! 

No circo, o povo aplaude, delirante! 

O pão e o circo, em Roma, por bastante! 

A negação por si mesma leveda! 



Com Ceres, haja pão, vindima e vinho! 

Com Baco, venha, trágico, o delírio! 

Com César, haja arenas de martírio! 

Que a perdição se cumpra por caminho! 



Saturno, indiferente, o tempo mede. 

O livre arbítrio é doutra dimensão 

e condição, parcela doutra soma… 



O bárbaro não pode e fraco cede… 

Sem tempo, arenas, circo, vinho e pão 

o império glorificam --- Viva Roma! 







José-Augusto de Carvalho 
2 de Janeiro de 2019. 
Alentejo * Portugal 


sábado, 22 de dezembro de 2018

25 -TEMPO DE SORTILÉGIO * Uma partícula de céu



(Tempo de Sortilégio) 


Uma partícula de céu 







Azul é cor de céu, variam os matizes, 

num jogo que é de luz – que singular talento! 

A tarde está no fim -- é quando tu me dizes: 

será que Deus existe e nele aqui me invento? 



E neste arroubo, és tu, tão solta das raízes 

deste materno chão, no cósmico momento 

ganhando a dimensão que inventes e que irises 

do indivisível todo – enigma e envolvimento… 



Nem quando o vento arrasta as nuvens mais cinzentas 

e o todo sobre nós é um espesso véu 

de raios e trovões, tumultos e tormentas, 



tu deixarás de ser, além do espesso véu, 

um pedacinho azul do eterno que acalentas, 

partícula do todo -- enigma deste céu! 





José-Augusto de Carvalho 
21 de Dezembro de 2018. 
Alentejo * Portugal

sábado, 15 de dezembro de 2018

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Agora nós!





*
Agora nós! 


Esquerda: Desenho de Michelangelo nos estudos feitos na Cappella Brancacci para a Capela Sistina  Os desenhos se encontram em Paris, no Louvre.
Direita: Expulsão de Adão e Eva - Masaccio - Cappella Brancacci 





Sem Cosmos e sem Deus, ficámos sós. 

Olhámo-nos após a queda abrupta: 

restava o galho ou disputar a gruta 

e a decisão final --- agora nós! 



E vamos, nesta história mal contada, 

Narcisos sem espelho de água clara, 

na busca de nós mesmos, que não pára, 

na busca milenar de ser buscada. 



Buscar que é um processo definido 

na condição de verbo transitivo: 

Buscar o quê? O que ficou cativo? 

O Paraíso onírico e perdido? 



Ousamos mais aqui, ali nem tanto, 

sempre ao sabor dos ânimos e anseios, 

como se tudo fossem os gorjeios 

angelicais de algum sonhado canto… 



Nas horas de incerteza ou pasmaceira, 

arengam charlatães as ladainhas 

de pobres, de milagres, de rainhas, 

de pão sem ter havido sementeira… 



E numa procissão de migrações, 

andamos, transumantes sem rebanhos, 

no mundo que é o nosso, como estranhos, 

erguendo totens e outras perdições. 



O resultado somos, liquefeito, 

nos tempos desta pós-modernidade: 

modelo modelado --- identidade 

em tudo igual do avesso e do direito. 





José-Augusto de Carvalho 
15 de Dezembro de 2018. 
Alentejo * Portugal



quarta-feira, 14 de novembro de 2018

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Representação



LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO
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Representação 




O tempo está mudado, meu amor. 

Olha, começa a representação: 

ao céu azul o chumbo rouba a cor, 

sem luz já se angustia o coração. 



As nuvens se acastelam, uiva o vento; 

não tarda já horríssono o trovão; 

não tarda já o látego sedento 

e em fogo as piras da devastação. 



Estamos nós aquém - além da cena 

ou seremos também no palco actores? 

Quem contigo ou comigo contracena 

o Bem e o Mal --- a preto e branco e a cores? 



A fuga é impossível, meu amor! 

O Tudo e o Nada aqui representamos. 

O que tiver de ser, seja o que for, 

vai depender do quanto aqui nos damos. 



E a queda, se ocorrer, que se redima 

na força da semente que carrega… 

que possa ser ou seja o verso e a rima 

do amor que não se rende nem se nega. 



José-Augusto de Carvalho 
14 de Novembro de 2018. 
Alentejo * Portugal

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Terra antiga



LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO
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Terra antiga 

Dórdio Gomes, Pintor Alentejano
(Com a devida vénia)


Para

Andrade da Silva e Serafim Pinheiro,

Capitães de Abril, meus Amigos






Na manhã sem palavras, a brisa 

orvalhada desliza 

no meu rosto. 

Na carícia de honesta ternura, 

sinto o gosto 

e o perfume da fruta madura. 

Terra antiga, 

suada e desnuda, 

que não muda 

quando a noite é de treva e castiga. 

Terra antiga de mágoas carpindo 

quando a força esmorece… 

Terra antiga do sonho mais lindo 

que entre mágoas e dor se levanta 

e manhã na manhã que amanhece 

polifónica canta. 

Terra antiga de Abril e de Maio maduro, 

que é de mar e de pão e de vinho! 

Terra antiga inventando o caminho 

do futuro 

com açordas de audácia e pão duro… 







José-Augusto de Carvalho 
Alentejo, 13 de Setembro de 2018. 

domingo, 2 de setembro de 2018

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Confissão


NA ESTRADA DE DAMASCO

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Confissão 






Confesso que não sei,
assim, na praça pública e desnudo.
e sem recurso à lei
que impõe saber de mim o nada e o tudo.


Não sei por que reclamo o sol do estio,
as chuvas outonais,
as neves da invernia - céus, que frio
doendo-me de mais!


E o sol da primavera
beijando cada ninho em construção
enquanto o Tempo espera
o parto, em oração.


E quando cada espiga me mitiga
a fome só de vê-la,
escrevo uma cantiga
no lucilar ardente duma estrela.






José-Augusto de Carvalho
14 de Junho de 2011
Alentejo * Portugal

quinta-feira, 3 de maio de 2018

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Manifesto da evasão





Manifesto da evasão 




Nos campos ermos, onde o tempo mais parece 

alento já não ter, não sei se vou sozinho 

ou se partilho com alguém este caminho 

que desafia ousar --- que nunca desfalece… 



Não leio nos jornais notícias do futuro! 

Não vejo nas tevês imagens de albas novas 

nem na telefonia escuto as vivas trovas 

cantando a luz e a cor do dia que procuro… 



Aqui, apenas me pergunto e nada mais? 

Que inércia ou prostração no tempo que não pára? 

Que demissão de ser ou que renúncia ignara 

ferrou as velas que palpitam neste cais? 



Não quero acreditar na angústia dos meus olhos… 

Quero outra vez o mar de vento e rebeldia! 

Quero outra vez o mar de longe e de ousadia! 

Quero outra vez o mar ainda que de escolhos! 





José-Augusto de Carvalho 

Lisboa, 3 de Maio de 2018.

terça-feira, 20 de março de 2018

25 - LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO * Maré-cheia!




LIVRO TEMPO DE SORTILÉGIO


Maré-cheia! 


Marielle 



A noite acende as luzes da ansiedade. 

O medo tranca portas e janelas. 

O grito emudeceu das sentinelas. 

As rondas não patrulham a cidade. 



Galopam pelas ruas da cidade 

sem lei os pesadelos assassinos, 

assombração dos leitos dos meninos. 

suplício de letal impunidade. 



Sofrem e morrem sem saber por quê 

as indefesas gentes da cidade. 

Que cívico poder da Autoridade? 

E que Ordem? Que progresso? Ninguém vê? 



Por quanto tempo mais a impunidade? 

De quantas vítimas carece a Ordem 

para se impor à sanha da desordem, 

para haver paz e vida na cidade? 



Caíste agora tu, mulher e voz 

dos ofendidos todos da cidade. 

Morreu contigo o verbo da verdade! 

Sem ti, ficámos órfãos e mais sós! 



Inunda as ruas todas da cidade 

a dádiva sangrenta --- maré-cheia! 

E um povo adulto indómito semeia 

searas de amanhã e liberdade! 



Há sempre páscoa em tempo de cordeiros 

e sacrifícios velhos de impiedade. 

Que a paz floresça livre na cidade! 

Banidos sejam cruzes e madeiros! 







José-Augusto de Carvalho 

Alentejo, 20 de Março de 2018.