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domingo, 15 de junho de 2014

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * O canto da minha gente

Obra do escultor Fernando Fonseca


O canto da minha gente!
A dolência que se evade
definindo a identidade
que o canto modula e sente…

São as papoilas vermelhas
sangrando por entre espigas…
São pastores e cantigas
nos balidos das ovelhas…

São os guizos nos molins,
em sinfonias ritmadas
dos trotes pelas estradas,
espantando os cachapins…

É a saudade magoada
cravada no coração
onde leveda a canção
no desespero amassada…

É o sol do meio-dia,
quando baila a tremulina
reflectindo na retina
o incêndio da Poesia…

É o fascínio da flor,
“rosa branca desmaiada”
na entrega desesperada
da vida a morrer de amor…



José-Augusto de Carvalho
Viana*Évora*Portugal
15 Junho de 2014.

domingo, 20 de abril de 2014

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA - Que flagelação?



A terra abandonada é um adil.
Cardos e urtigas – nada em profusão.
Estamos, sim, no augusto mês de Abril!
E nem um caule a prometer o pão!...

Sequer um manto de papoilas medra,
Jorrando sangue antigo deste chão.
Não resta mais que pedra sobre pedra
E o grito secular de um povo – não!

A verborreia ergueu os espantalhos.
Medrosa, a passarada, num desnorte,
Refúgio já buscou nos altos galhos,
e, mansa, loas canta à sua sorte…

E nesta prostração, de loa em loa,
o tempo no sem tempo se esboroa…



14 de Abril de 2014.
Viana * Évora * Portugal 

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Nesta hora




Palpitam dentro de mim

Saudades de Bernardim

E sedes do meu Xarrama!

E gritos que, sendo meus,

São os gritos doutros eus

Ardendo na mesma chama.



Nesta viagem finita,

Sou o azinho que crepita

Quando este sol tudo inflama.

E quando piso este chão,

sei que piso a solidão

que me espera e por mim chama.



E assim vou até que o fim

Me finde dentro de mim…





José-Augusto de Carvalho
19 de Abril de 2014.
Viana*Évora*Portugal

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Alvorecer



Quando ainda mal clareia,

já a cotovia canta

a matinal melopeia

que do leito o sol levanta.



Vem o sol, estremunhado,

sem capa ou outro agasalho,

lavar o rosto ensonado

em puras gotas de orvalho.



São gotas de madrugada

mitigando a sede fria

da promessa alvoroçada

do raiar dum novo dia.



São a sede mitigada

da matinal cotovia.




José-Augusto de Carvalho
5 de Fevereiro de 2014.
Évora*Portugal

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * A jornada de mim


(Rimance) 


Tela de Dórdio Gomes, Pintor Alentejano





Venho dos longes da Vida,

idos longes sem memória!

Que caminhada sofrida,

hoje apenas presumida

em hipóteses da História!



Na certeza de que sou

há os longes donde vim.

Quanto o tempo amortalhou

e a memória não guardou

resiste dentro de mim.



Na Terra por condição,

sou da Terra criatura.

Aqui ergui o padrão

que assinala a comunhão

do berço e da sepultura.



Desde sempre como o pão

pelo diabo amassado.

O diabo da traição

quando na desunião

por minha mão é criado.



Na Terra por condição,

desavindo perco a Terra

quando em sangue amasso pão,

quando nego o meu irmão

e, traindo, faço a guerra.



Quem é que come o meu pão

nas horas da minha fome?

Quem me impõe a privação

se a minha fome é o pão

que quem decide me come?




José-Augusto de Carvalho
21 de Novembro de 2013.
Viana * Évora * Portugal

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Rimance na madrugada

Via Láctea
(Foto Internet, com a devida vénia)




Com a noite adormecia.

De madrugada, acordava,

sob este céu de magia,

que de estrelas pontilhava

a cósmica fantasia…



A estrada já conhecia

a sua certa passada.

E, diligente, lá ia, 

a estrada por companhia,

no frescor da madrugada.



Já alerta estava o gado.

Os seus passos conhecia.

Depois de limpo e tratado,

estaria preparado

para o trabalho do dia.



Ao cantar da cotovia,

começava a dura lida.

Quando mal rompia o dia,

a charrua já abria,

na terra, as rugas da vida.



E de sol a sol, doía,

por tão pouco, tal dureza.

Tantas horas num só dia!

Dia que apenas valia

uma jorna de tristeza!



Quanto podia a lembrança

das histórias dos antigos,

sempre houvera por herança

esta desgraçada andança

dum rosário dos castigos.



Triste história desta Vida!

Alcatruzes duma nora,

ora vindo de subida,

ora indo de descida,

gemendo como quem chora!



Ai, que fatal movimento,

insistente, rodopia?

Onde encontra tanto alento

p’ra manter o movimento

que sufoca cada dia?



Os dias passam em vão.

E sempre iguais no passar.

Nesta fatal rotação

vai girando a negação

de não sair do lugar.



Ai, tanta sede! Onde a fonte

em que se possa ir beber?

Perdido de monte em monte,

quem roubou o horizonte

da manhã a amanhecer?



José-Augusto de Carvalho
10 de Novembro de 2013.
Viana*Évora*Portugal

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Na memória da Vida



(Foto Internet com a devida vénia)




Da lonjura dos tempos provenho.
Que caminhos de hostis tremedais!
Na memória da vida, retenho
só angústias doendo de mais.

Eram levas e levas, na noite
que negava a manhã por haver…
Era o silvo assassino do açoite
encharcado de sangue a correr…

Era o medo a doer na renúncia.
Era a sombra disforme e difusa
deslizando no chão a denúncia
da manhã a sangrar na recusa.

Era o tudo nas garras do nada!
Era um nó na garganta sem voz!
Era a dor da manhã condenada!
Que fizeram do sonho e de nós?

Era o grito do alor clandestino!
Na miragem de Abril madrugada,
era o dia brincando menino
sobre os cravos vermelhos da estrada...

Quando os cravos murcharam no outono,
só as pétalas mortas no chão
e o menino a doer o abandono
que velava o seu morto pião...


José-Augusto de Carvalho
Viana*Évora?Portugal
25 de Julho de 2013

domingo, 29 de setembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Para sempre!




Ceifeira alentejana
Foto Internet, com a devida vénia


Uma aragem clandestina
acaricia os sobredos
e um grito assombra os degredos
que amordaçam a campina...

É a voz de Catarina
rasgando espaços e medos,
a divulgar os segredos
da luta que não termina...

Traz nas suas mãos já frias
a bandeira desfraldada
que na campina floriu

e o fim de aras e agonias
na liberdade incendiada
por que morreu e não viu...



José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 28 de Agosto de 1996.
Viana, 6 de Janeiro de 2011.

sábado, 28 de setembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Destino


Trigal * Foto Internet, com a devida vénia.




O céu sem uma nuvem, todo azul!
Na limpa, o pão -- um cântico do Sul!

Vermelha, a terra em sangue, a palpitar,
entrega-se ao incêndio que a devora!
Cresceram os trigais e, a ondular,
sonham ainda o mesmo mar de outrora...

Foram daqui, ficou a nostalgia
das horas de aflição e de loucura...
O sonho de outro pão, que se entrevia
na sedução que foi e que perdura...

A sedução de ser aqui e além
o mesmo lenho e a mesma carne viva!...
Arado e leme, a força que sustém
o rumo até nas horas à deriva...



José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 8 de Maio de 1997.

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * O meu credo



Dórdio Gomes (pintor alentejano)
Foto Internet, com a devida vénia.


Creio em mim, peregrino na Vida,

nesta espera de um céu, mas na terra,

e na força do grão que germina

concebendo o milagre do pão

que ceifei, debulhei e moí

e depois amassei com as lágrimas

em que afogo a revolta do servo.

Cada dia que nasce cá vou

eu descendo aos infernos

onde os servos extraem o pão

que empanturra os senhores.

Creio ainda no sol do amanhã,

na certeza de mim,

no homem livre,

na justiça dos homens,

no clamor da Verdade

sobre a Terra.

Assim seja!



José-Augusto de Carvalho
2 de Junho de 2011.
Viana * Évora * Portugal

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Oração


Foto Internet, com a devida vénia.


Pão nosso que estás na mesa,

saciando a nossa fome...
Bendito seja o teu nome
de promessa e de certeza!

Pão nosso sempre amassado
com o suor que te damos,
que nunca mais pelos amos
sejas pão amargurado.

Vem até nós, por direito,
e que, como um mandamento,
sejas o sagrado alento
que brota da terra-leito!

Vem até nós, pão liberto,
que a Terra comum nos dá!
Que sejas como o maná
que já foi pão no deserto!...



José-Augusto de Carvalho
7 de Julho de 2007.
Viana * Évora * Portugal

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Artífice do verbo




Dórdio Gomes, Pintor alentejano
Foto Internet, com a devida vénia


Artífice do verbo, eu ouso os horizontes
que invento ou adivinho além dos descampados.
Por ferramentas, tenho as foices e os arados;
por lar, a solidão que há muito assombra os montes.

Com minhas mãos, desnudo os dias por haver.
E, por amor, a minha faina não me cansa.
E raiam, a florir, as modas da esperança:
«Meu lírio roxo, quem te pudera colher!»

E falo deste pão que amasso, pão suado.
E das açordas de alho e peixe da ribeira.
Eu falo do que sei e sinto e quem me queira
terá de ter-me assim --- o verbo conjugado.

Não sei falar do encanto e brilho das estrelas,
mas quando Maio vem, eu sei como colhê-las!


José-Augusto de Carvalho
19 de Dezembro de 2011.
Viana * Évora * Portugal

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Assumpto-II


Poema Internet, com a devida vénia.


Agora, só me falta ouvir dizer

que a chuva que não cai ou cai de mais
se deve aos manobrismos sindicais,
porque, num modo hostil de estar e ser,
à greve instigam nuvens e rurais!

Agora, só me falta que os arautos
do estado de direito quanto baste
aos fados atribuam o desastre
e incólume mantenham nos incautos
a seiva de raiz que nutre a haste!

Agora, só me falta, na velhice,
vergado a tantos anos só de espera,
que venham condenar-me porque disse
que Abril já foi um mês de Primavera
e porque não traí nem me desdisse!


José-Augusto de Carvalho
16 de Junho de 2008.
Viana * Évora * Portugal

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Assumpto-I

Velhinha foto. Aqui, eu tinha sete anos de idade.


Para Vasco Massapina

Eu corro, à desfilada, para o fim,
mas vivo, enquanto o sopro que me anima

e firme determina,
instante, houver em mim.
Sempre vivi e vivo,
e o tempo que me resta viverei,
atento ao que me cerca e subversivo
contra a força do déspota ou da lei
que cúmplice me queira ou compassivo.
Não sei e nunca soube
por que me encontro aqui,
mas que ninguém me roube
este chão que acendi
com o fogo dos astros
que nos céus sem limite colhi!
Astros
que iluminam os rastros
gravados nos caminhos
destes campos de pão e de vinho,
de aflição e de azinho
onde me descobri!


José-Augusto de Carvalho
Viana * Évora * Portugal
4 de Dezembro de 1999.
Versão definitiva em 19 de Maio de 2001.

Nota importante: Este poema foi oferecido a meu primo Vasco Massapina, pelo seu aniversário, em Maio de 2001. Exactamente por isso, aqui o incluo com a indicação da oferta.

sábado, 21 de setembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Exortação

Foto Internet, com a devida vénia.



Se o Tempo te disser

Chegaste ao fim da estrada,

que pare quem quiser,

que tu irás, enquanto a vida der,

forçando a caminhada.

E rasga nova estrada,

se esta se der por finda!

E vai além da meta assinalada,

que em terra a desbravar ou desbravada

há mais estrada ainda!


José-Augusto de Carvalho
21 de Outubro de 2011.

Viana*Évora*Portugal

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Balada

Foto Internet, com a devida vénia.




Muito tem chovido!
De noite e de dia!
Plantio perdido,
de instante porfia,
no solo sofrido
da terra que expia…

Fui ver o Xarrama!
Barrento, o caudal
inteiro se acama
no leito total!
E de longe o chama
Alcácer do Sal…

À mente me ocorre
Caeiro, o pastor,
e o rio que corre
na aldeia que for!…

A mesma loucura
do tempo que foi!
E teima e perdura,
insone e inquieta,
no peito que dói!
Loucura sem cura,
meu pobre poeta…


José-Augusto de Carvalho
9 de maio de 2002

Viana * Évora * Portugal

sábado, 14 de setembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * A verdade de mim

Óleo de Dórdio Gomes, Pintor alentejana
Foto Internet, com a dida vénia.


Bendito seja o meu nome!
Semeio e colho este pão,
mas só migalhas me dão,
enganando a minha fome.

Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!

Arautos de feira exultam.
E com palavrinhas mansas
e falazes esperanças,
o meu dia a dia insultam.

Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!

Quem me promete o que é meu,
como se fosse oferenda?
Quem supõe que estou à venda?
Quem é aqui mais do que eu?

Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!

Da noite dos tempos venho,
vergado, chapéu na mão,
à deriva como um lenho
sem velame nem timão.

Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!

Milénios já percorridos
de sofrimento e lições,
quando os terei aprendidos
por memória e por razões?

Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!

Continuo um pé descalço,
um deserdado, a ralé,
a subir ao cadafalso
num qualquer auto de fé...

Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!

Enredado em várias malhas
e presa dos maiores danos,
morro em todas as batalhas
só p'ra mudar de tiranos!

Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!

Ah, que força, que arreganho
assim me tolhe a vontade
de me erguer e com verdade
ser livre e do meu tamanho?!

Até mudar de caminho,
serei sempre o Zé-povinho?



José-Augusto de Carvalho
Redigido em 21.03.1996
Corrigido em30.10.2009
Viana * Évora * Portugal

sábado, 7 de setembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Na dimensão azul

Foto Internet, com a devida vénia

Sobraço um ramo de papoulas rubras.
São sangue vivo dum adil sem nome.
Oh, noite em sombras, oxalá me encubras
de algum olhar que por ladrão me tome!

As minhas mãos ensaguentadas tenho.
Que importa? É sangue desta terra e meu!
É sangue mártir a lavar o lenho
donde a verdade ainda não desceu.

Amado chão na dimensão azul
dum céu sem nuvens prometendo tudo,
que tremulina de dourado tule
cerra os meus olhos em estreme ludo?

Ai, desafio que me tentas tanto,
eu já não posso nada além do canto!...


José-Augusto de Carvalho
4 de Março de 2012.
Viana*Évora*Portugal

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Santa terra a nossa!

Foto Internet, com a devida vénia

Hoje, não trago a flor vermelha na lapela
nem sonho o lucilar das cósmicas estrelas.
Eu, hoje, apenas quero o cheiro da panela,
as sopas e o prazer de tê-las e comê-las.

As sopas deste pão que migo e como, à ceia,
restauro do labor que tenho e é meu esteio.
E se o suor da faina é sal que me derreia,
fico feliz por não comer o pão alheio.

O pão de todos nós, o pão de cada um,
suado no sabor, honrado nos perfumes,
de giestas e alecrim – assim não há nenhum!

Ah, santa terra a nossa, estreme e sem fronteiras!
Quem quer erguer em ti um muro de queixumes?
Quem quer matar um chão lavado p'las canseiras?


José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 5 de Novembro de 2012.