quarta-feira, 27 de julho de 2016

13 - NA PALAVRA É QUE VOU... * Memória de uma introdução perdida e que já não tem tempo para poder ser



Conheci a Poesia ouvindo ler, ainda muito menino, algumas lendas do livro maior do Povo Árabe. E de tal forma fiquei deslumbrado com tamanha beleza que, muito mais tarde, adquiri “As mil e uma noites”, uns quantos grossos volumes que mantenho carinhosamente na minha estante. Um pouco mais tarde, já um rapazinho da terceira classe da instrução primária elementar, senti-me desafiado a ensaiar os meus primeiros versos. Um desafio interior que veio não sei de onde e que não descobri ainda por que veio e para que veio. Aí começou a minha caminhada de cultor dos versos. E foi um alinhavar de versos e mais versos, sim, que versejar é uma coisa e, outra bem diferente, é adivinhar ou vislumbrar a Poesia. Na adolescência, conheci os Poetas da nossa Literatura. E, logo depois, alguns dos Poetas do Mundo. E data dessa mesma época a publicação de alguns versos em jornais. Recordo a “Democracia do Sul” e o “Notícias de Évora”, ambos da muito amada Cidade Museu, na década de cinquenta. No início da década de sessenta, entrei no jornal República pela mão do Poeta Alfredo Guisado, amigo e companheiro de Fernando Pessoa na aventura do Orfeu. A este Amigo querido fiquei devendo o que nunca poderei pagar, por muitos anos que eu viva. Em Dezembro de 1980, publiquei o meu primeiro livro de poemas: “arestas vivas”. Outros se lhe seguiram. Não sei se outros ainda se lhes seguirão. Cidadão afastado dos meios literários, os meus versos estão sujeitos a uma reduzida circulação. E assim se manterão, numa divulgação restrita. Só escrevo o que sinto --- são folhas de mim arrancadas pelos ventos da vida. Hoje, chegou a hora de oferecer à minha gente este ramalhete de versos. É uma dívida antiga. Só agora posso pagá-la. 
Não procuro lisonjas nem agradecimentos. Dou o que tenho, pelo prazer de dar-me. E agradeço a quem não recusar esta oferta. Sei que haverá quem considere este livrinho de valia menor. A esses direi que não soube fazer melhor. E, também, socorrendo-me da sabedoria popular, mais direi que quem dá aquilo que tem, a mais não é obrigado.

José-Augusto de Carvalho
Alentejo, Julho de 2005.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

30 - ...E CONTIGO EU MORRI NESSE DIA * Lá vai o comboio, lá vai...




O pouca terra, pouca terra escuto.

Monótona e ruidosa ladainha

ampara as minhas lágrimas e o luto

que a meu lado caminha.



Meu luto que é por ti e que é por mim.

Sombria noite sob um sol de lume

que queima o meu queixume

nas aras dum herético festim.



No silêncio do cais,

espera a provação do nunca mais,

desnuda e sem bagagem.



Embarco… e o pouca terra, pouca terra

vai sussurrando enquanto me desterra…

Adeus, boa viagem!





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 19 de Julho de 2016.


terça-feira, 19 de julho de 2016

30 -...E CONTIGO EU MORRI NESSE DIA * A dádiva de ti





Quando te deste,

trazias a pureza da manhã orvalhada de sangue

e o espanto da descoberta nos teus olhos verdes de mar.



Um sabor silvestre de medronho sorria nos teus lábios

e eu sôfrego bebi até me embriagar.



Meus olhos mergulhei nos teus olhos verdes de mar

e adormeci no pélago profundo.

Quando voltei à tona,

os teus olhos verdes de mar sorriam para mim a dádiva de ti.



Recebeste o meu último olhar

recebeste o meu primeiro olhar

foi assim enquanto a vida quis



No dia em que partiste,

não me deixaste o teu último olhar verde de mar.



Quando quis despedir-me de ti,

teus olhos verdes de mar já não poderiam ver-me nunca mais.

Tu já estavas longe, muito longe,

muito longe de mim, para sempre.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 19 de Julho de 2016


sábado, 16 de julho de 2016

03 - ESTA LIRA DE MIM!... * Catarse (2)

Catarse (2)






Quando desço aos infernos da existência,

o Inferno existe.

Caim matando Abel. Caim que insiste,

numa insistência

verídica do mítico que existe.

Sem asas e sem corda e sem escada,

subir não pude nunca ao Paraíso.

Não falo de anjos nem da luz sagrada,

só falo do que sei, do que preciso,

de mais nada.

Apenas sou, aqui, no chão que piso,

o animal acossado que resiste.

No fim chegado, com ou sem aviso,

o quanto sou, o quanto em mim existe,

partícula será do chão que piso.

Nem alegre nem triste,

assumo inteiro a minha condição

de efémera ilusão

de ser além do meu amado chão que piso.




José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 16 de Julho de 2016.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

10 - CANTO REVELADO * A biografia possível

Viana do Alentejo, 1944 * Eu, com 7 anos de idade.






Eu não sei. Por que vim? Donde vim?

Ah, mas sei o que quero de mim!



Trago dentro de mim a verdade

da semente lançada no chão:

trigo loiro sofrendo a ansiedade

da farinha amassada --- do pão!



Sobre a terra que sou e onde vivo,

Mal ou Bem só por mim sobrevive.

Nada pode manter-me cativo:

a verdade da terra é ser livre!



Os meus braços embalam no vento 

estes sonhos que a terra esboroa…

e na força que sou e alimento,

sou o sonho que é terra e que voa!





José-Augusto de Carvalho
Julho de 2002
Alentejo * Portugal

sexta-feira, 1 de julho de 2016

13 - NA PALAVRA É QUE VOU... * "Quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão


Esta versão benévola do aforismo serve o meu intuito. Até porque me não permitiria usar aqui a contundente versão, porventura a original, deste aforismo.

Hoje, dia 1 de Julho de 2016, entrou em vigor, para a Restauração, o IVA de 13%. Assim se deu fim a uma medida do anterior governo de «direita» que tantas e tantas medidas tomou contra o Povo Português.

Sabemos que Portugal é um Estado de Direito desde 25 de Abril de 1976, data em que foi aprovada no Parlamento a Constituição da República Portuguesa, Lei Fundamental que, ao tempo, se dizia ser a mais progressista da Europa. Sabemos também que as revisões à mesma Constituição, todas da responsabilidade do Partido Socialista e dos partidos de «direita», foram um retrocesso. E quando há retrocesso na nossa Lei Fundamental, o Povo Português é sempre lesado nos seus anseios de justeza social.

Como dizia, hoje, dia 1 de Julho de 2016, entrou em vigor a determinação legal de aplicação do imposto (IVA) de 13% sobre a conta do meu almoço no restaurante. Tudo bem estaria, relativamente, é claro, mas fui surpreendido pela aplicação dos 23% em vigor até ontem. Não pela importância, que é de somenos, mas pelo atropelo à taxa legal de 13%, reclamei. Fui «esclarecido» assim do sucedido: o sistema ainda não está operacional. Deste esclarecimento se extrai a conclusão óbvia: a correcção do sistema sobrepõe-se à determinação legal. Se alguém entende, eu não entendo. Lei é Lei. E assim vamos neste Estado de Direito quanto baste, talvez na esteira da infeliz frase de um primeiro-ministro de finais de 1975: «É só fumaça, o povo é sereno.»

Ora porque sou persistente na defesa do que considero correcto, desloquei-me à Secção de Finanças e, colocada a questão, intuí mais do que entendi que o IVA a 13% será aplicado depois de vencidas as dificuldades do sistema.
Esperava eu que na Secção de Finanças me dissessem isto, que me parece meridiano: há dificuldades no sistema, mas as facturas serão analisadas oficialmente e os cidadãos agora lesados serão posteriormente ressarcidos. Sorrindo, regressei a casa. Afinal está “tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”!

Finalizando: pensando assim devagarinho, que “depressa e bem não faz ninguém”, atrevo-me a regressar ao primeiro-ministro de que falei: “É só fumaça, o povo é sereno”.

Apesar de tudo o que fica dito, eu continuo ao lado de Luís de Camões até que a morte me leve: “Esta é a ditosa Pátria minha amada!”
*
José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 1 de Julho de 2016.