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segunda-feira, 12 de março de 2018

11 - O MEU RIMANCEIRO * O boato


O MEU RIMANCEIRO 

(Que viva o cordel!) 

*

O boato 




Diz-se que disse… Quem disse? 

É suspeita ou é verdade? 

Se fica na obscuridade 

o autor que se diz que disse, 

qual é a veracidade 

deste diz-se que alguém disse? 



Tudo quanto se propala 

ou o sustenta o rigor 

ou a suspeita se instala 

como eco perturbador 

que sem provas assinala 

agente difamador 



Quanto do que é suspeitado 

é intriga ou é despeito? 

Ninguém só porque é suspeito 

em Juízo é condenado 

Apenas o que é provado 

em Juízo é de Direito. 



Será réu de alta traição 

ao primado da justeza 

quem ousar a subversão 

e amordaçar a defesa 

a interesses de facção 

ou de ardilosa torpeza. 



José-Augusto de Carvalho 
Alentejo, 12 de Março de 2018. 



sábado, 10 de março de 2018

11 - O MEU RIMANCEIRO * De viagem…


O MEU RIMANCEIRO 

(Que viva o cordel!) 


De viagem… 









Vai o tempo de longada. 

O velho Cronos assume 

a rota determinada, 

haja aplauso, haja queixume. 



Tão velho como a velhice, 

cumpre a rota decisiva, 

como se ninguém ouvisse 

dos milhões da comitiva. 



É o chefe que se aferra 

à condição que detém. 

Quem não quer, que fique em terra! 

Não se obriga aqui ninguém! 



Todo o tirano é assim: 

quem não lhe aceita as vontades 

ou tem a morte por fim 

ou definha atrás das grades… 



Fez escola esta conduta: 

disse um, o Estado sou eu; 

outros há de forma astuta 

o comum fazendo seu. 



Daqui terá derivado, 

já milenar, todo o mal, 

desde os circos do Passado 

ao presente carnaval. 



Haja pão, haja folia, 

tudo o mais logo se vê! 

Viva quem assim se adia, 

morra sem saber por quê!... 





José-Augusto de Carvalho 
Alentejo, 9 de Março de 2018. 

segunda-feira, 5 de março de 2018

11 - O MEU RIMANCEIRO * Das sentenças...



O MEU RIMANCEIRO 

(Que viva o Cordel!) 


Das sentenças… 


(Magister dixit) 




É boa a diversidade. 

Poder escolher é bom, 

da cor à intensidade 

dos tons, da luz ou do som. 



Se de escolhas é a Vida, 

pese ou não a qualidade 

da que for a preferida, 

que viva a diversidade! 



Cada escolha tem um preço. 

Tudo se paga na Vida! 

Até a Vida do avesso 

pode ter sido escolhida. 



No início da caminhada, 

todo o caminho é incerto; 

saberemos à chegada 

o que deu errado ou certo. 



Antecipar as certezas 

é querer a supressão 

de incertezas e surpresas 

de insuspeita condição. 



Se ninguém foi ao futuro, 

que certezas pode haver 

dum tempo são e maduro 

que queremos conhecer? 



Pedra a pedra se erguem casas 

que serão o nosso lar, 

tal como só quem tem asas 

ousa seguro voar 





José-Augusto de Carvalho 
Alentejo, 5 de Março de 2018.

sábado, 3 de março de 2018

11 - O MEU RIMANCEIRO * Pão salgado



O MEU RIMANCEIRO 

(Que viva o Cordel!) 


Pão salgado 








É assim o dia a dia: 

todos iguais, nada muda! 

É uma monotonia 

ou é um “Deus nos acuda”? 



Não sei bem por que razão 

se espera que os outros tragam 

a mezinha ou a unção 

para os males que nos chagam… 



Esperar um salvador 

é do domínio da crença, 

mas viver, seja onde for, 

a nossa acção não dispensa. 



Quem quer isto ou quer aquilo, 

lute para o conquistar; 

ficando alheio e tranquilo, 

não tem por que protestar? 



Se alguém não fizer por mim 

o que por mim nem eu faço, 

como posso achar ruim 

sofrer o mau por que passo? 



Só quem come o pão suado 

sabe o gosto que o pão tem! 

Pão pelo suor salgado 

nunca fez mal a ninguém. 





José-Augusto de Carvalho 
Alentejo, 2 de Março de 2018. 


domingo, 28 de janeiro de 2018

11 - O MEU RIMANCEIRO, * Admoestação


O MEU RIMANCEIRO
.

Admoestação







Dói-me este tempo parado.

Caminhos sem caminheiros…

Que relógio abandonado

sem ter corda nem ponteiros!...



No movimento aparente,

desde a manhã ao sol pôr,

tece o sol incandescente

um manto de luz e cor.



As memórias soterradas

sangram nas papoilas rubras

que sonham desesperadas

o dia em que as redescubras.



A sono solto dormindo,

teimas em não dar por nada.

Nem sonhas o sonho lindo

que há em cada madrugada.



Nas noites de estio ardente,

cantam grilos ao luar

na sinfonia estridente

que em vão te quer despertar…



Mas como um justo tu dormes,

como se fossem tranquilos

estes escombros disformes

que desesperam os grilos.



O que é dos outros cobiças,

numa inveja envergonhada…

e, alheio ao que desperdiças,

acabas por não ter nada.



Tens as nozes do rifão,

p’ra parti-las não tens dentes…

Se és assim por condição,

assume-a e não te lamentes!





José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 28 de Janeiro de 2018.

sábado, 16 de dezembro de 2017

11 - O MEU RIMANCEIRO * A banda que passa…



O MEU RIMANCEIRO
.
(Que viva o cordel!)

*
A banda que passa… 






Meu amigo, tens razão:

deixemos passar a banda!

Marcha atrás a multidão

e mais quem p’las ruas anda

e é alheia à diversão.



Nas ruas, como nas feiras,

há sempre galos sem crista,

que, atrevidos nas maneiras,

exibem a longa lista

de maravilhas matreiras.



No fim, segue um cão vadio,

alheio a tanto alvoroço.

De passadio sombrio,

espera que sobre um osso

do animado desvario….





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 16 de Dezembro de 2017.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

11 - O MEU RIMANCEIRO * De jornada



O MEU RIMANCEIRO

(QUE VIVA O CORDEL!)


De jornada






Perguntas-me se eu vou na contramão…

Entrei na via de único sentido

apenas, podes crer, por distracção.

Que pena eu ser assim tão distraído.



Mas, à cautela, já saí da via…

Quem nesta vida andar por distracção,

arrisca-se a entrar na romaria,

ainda que sem fé nem devoção.



De alforge e de cantil e de cajado,

sem bússola estelar, cá vou sozinho.

Apenas tenho os astros por telhado

e o longe que me acena por caminho.



E se vou ter ou não a alegria

de ao longe que me acena além chegar,

não sei, mas sei que certa é esta a via

e por agora que me baste ousar.







José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 26 de Outubro de 2017.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

11 - O MEU RIMANCEIRO * A inércia não existe!



O MEU RIMANCEIRO
.
(Que viva o cordel!)

*

A inércia não existe!





Adoptaste o modelo acabado

que anunciam, na praça, os arautos.

Neles crêem talvez os incautos

e deveras os bem instalados.



Mas o tempo recusa parar,

num vaivém de alcatruzes de nora

que descendo é a angústia que chora,

que subindo é o alvor a cantar.



Movimento perpétuo da vida,

de mudança em mudança prossegue.

E não há quem recuse ou quem negue

esta Lei que é de todos sabida.



O passado previu o presente,

o presente prevê o futuro.

Sob a terra, no húmus obscuro,

vigorosa, germina a semente…



Sempre assim, de mudança em mudança,

cada fim anuncia um nascer.

A verdade perene de ser,

desbravando caminhos, avança.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 3 de Outubro de 2017.

sábado, 30 de setembro de 2017

11- O MEU RIMANCEIRO * O outro mundo



O MEU RIMANCEIRO
.
(QUE VIVA O CORDEL!)

*

O outro mundo







Há um mundo do outro mundo:

o do pontapé na bola.

Um mundo que vai ao fundo

no pântano em que se atola.



Tamanha jactância ostenta

em tempo de magra ceia,

que já ninguém lhe aguenta

indecoro e verborreia.



Prémios/salários chorudos…

Mudo, o povo aperta o cinto!

Venha o primeiro dos mudos

dizer-me agora que eu minto!



Neste mundo do outro mundo,

há quem ganhe mais num dia

que no mundo deste mundo

quem num mês tanto porfia.



Pão e circo --- viva Roma!

Sob o sol nada de novo!

Parcelas da mesma soma

que somando vai o povo.





José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 30 de Setembro de 2017.

sábado, 9 de setembro de 2017

11 - O MEU RIMANCEIRO * Fadário


O MEU RIMANCEIRO
.
(QUE VIVA O CORDEL!)

*

Fadário





Sal e azar foi a comida

que existia para mim

e que depois foi mantida

na espelunca do delfim.



Depois, comi como gente,

mas foi sol de pouca dura...

E hoje não sei se sou gente

ou uma cavalgadura!



Aves, ovinos... -- que praga! --

foram mais outros azares.

De sabor a povo, a vaga

era gasosa... só ares!


E no fim da minha estrada,

quem quer por verdade, agora,

a sentença requentada

de que só mama quem chora?



José-Augusto de Carvalho
Viana * Évora * Portugal
.
(Poema da década de 80, estava no baú do esquecimento)

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

11 - O MEU RIMANCEIRO * A profecia

(QUE VIVA O CORDEL!)



Os profetas da desgraça

gritam a quem quer ouvi-los:

podemos ficar tranquilos,

porque teremos a graça

de alcançar o paraíso

depois do final juízo.



Profecia que é convite

à mansa resignação.

Pois que fique a mansidão

e a profecia credite

o sonhado paraíso

depois do final juízo.



Até lá, segue o desfile

da marcha do carnaval

onde o mal é natural

e é herege quem refile.

Tudo pelo paraíso

depois do final juízo.



A Justiça Punitiva

os poderosos espera.

Será sentença severa,

sem risco de recidiva,

para paz do paraíso

depois do final juízo.



Até lá, vamos na dança

de alta roda, baixa roda,

correndo e cantando a moda

“quem porfia sempre alcança”.

E que viva o paraíso

depois do final juízo!





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 6 de Setembro de 2017.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

11 - O MEU RIMANCEIRO * O cordel

(QUE VIVA O CORDEL!)






Do cordel tu te sorris,

benévolo e tolerante?

Mas se não fora a raiz,

que perfume, que matiz

na flor que mais nos encante?




Por mais rústica que seja,

a teus olhos, a raiz,

qualquer planta que viceja

ou fruto que se deseja

é porque a raiz o quis.




A raiz é como um ovo:

o princípio rude e mudo

que, suando como o povo,

esforçado traz o novo

e, assim, perpetua tudo.






José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 31 de Agosto de 2017.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

11 - O MEU RIMANCEIRO * Amigos!



(QUE VIVA O CORDEL!)






Amigos, venho por bem!

Atravessei este mar

por saber que o tempo tem

hora em que fica refém

de quem nos quer dominar.



Não é tempo de folgar

nem de ver passar a banda. 

É tempo de recusar

manobrismos de quem anda

querendo nos enganar.



Os relógios acertemos!

No momento --- à hora certa,

sem hesitação, ousemos,

porque o dia só desperta

quando o dia amanhecemos.



Sem nós não havia nada!

Do pão que todos comemos

até à nossa morada…

Se é assim, por que perdemos,

no jogo, sempre a parada?



José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 14 de Agosto de 2017.

quarta-feira, 3 de maio de 2017

11 - O MEU RIMANCEIRO * Dos aforismos


(QUE VIVA O CORDEL!)










Pela boca morre o peixe

diz o saber popular…

Assim, que ninguém se queixe

se ousa o que não deve ousar…



Palavras leva-as o vento?

Quem o disse mal supunha,

elas resistem ao vento

quando alguém as testemunha.



Palavras são argumento,

quantas vezes são arpão

que crava o ressentimento

ou que empunha a delação…



Quando alguém se junta ao coro

que a falta de senso instala,

lesa o silêncio que é de ouro,

que é de ouro e que também fala.



Sigo o saber popular.

Às vezes, quero-me mudo,

que é mais saudável calar

quando o calado diz tudo.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 3 de Maio de 2017.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

11 - O MEU RIMANCEIRO * Charlatanices



(QUE VIVA O CORDEL!)






De enxada em punho, porfia

esventrando o exausto chão.

Obsessivo, noite e dia,

busca o sonhado filão.



Nem um instante sossega.

Cava que cava o danado,

sem ver que a terra lhe nega

o filão tão almejado.



Ao vê-lo, pensando fico:

loucura é esta ambição

de ter poder, de ser rico

até à sofreguidão.



Grita que grita a quem passa,

num tamanho desatino,

que mais parece a desgraça

de alguém que perdeu o tino.



Todos fingem não ouvir

o seu constante alarido,

só ele, em seu persistir,

dá sentido ao sem sentido.



E por portas e travessas,

gritando desaustinado:

todos no mundo às avessas,

andam de passo trocado!



Porque só ele detém,

por desígnio de eleição,

supremo, o saber de quem 

é a bela sem senão…





José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 19 de Abril de 2017

quarta-feira, 29 de março de 2017

11 - O MEU RIMANCEIRO * Povo sou!...



(QUE VIVA O CORDEL!)








Eu olho e mal acredito

no filme que estou a ver…

Nem sei que dizer… hesito…

Melhor não me intrometer.



Um anónimo qualquer

limita-se só a ver…

Se ousar mais, o que disser

que audiência pode ter?



Falar só por desfastio

ou p’ra não ficar calado,

para mim, é desafio

à partida recusado.



Manda o são comedimento

nunca se ir a baptizado,

a festa ou a casamento

se não se for convidado…



É do povo esta sentença

e eu sou povo --- povo sou!

Por isso, peço licença

para ficar onde estou.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 29 de Março de 2017.

terça-feira, 28 de março de 2017

11 - O MEU RIMANCEIRO * O sobreiro



(QUE VIVA O CORDEL!)





Não cedo porque não quero.

Vem do berço, e assim mantenho,

este princípio severo

de te dizer ao que venho.



Sou assim como o sobreiro

destas terras transtaganas:

por mais que sejas matreiro,

o meu tronco não abanas.



Sou produto deste chão,

as intempéries aguento:

do frio ao vento suão

e aos vorazes que sustento.



Sem cobrar nada a ninguém,

minha cortiça ofereço,

embora eu saiba haver quem

sempre a vende por bom preço.



E mesmo depois de morto,

serei fogo nas lareiras:

darei calor e conforto

durante noites inteiras.



Tudo dá a Natureza,

em fraterna comunhão:

se te falta o pão na mesa,

quem comeu o teu quinhão?





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 28 de Março de 2017.