quinta-feira, 21 de novembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * A jornada de mim


(Rimance) 


Tela de Dórdio Gomes, Pintor Alentejano





Venho dos longes da Vida,

idos longes sem memória!

Que caminhada sofrida,

hoje apenas presumida

em hipóteses da História!



Na certeza de que sou

há os longes donde vim.

Quanto o tempo amortalhou

e a memória não guardou

resiste dentro de mim.



Na Terra por condição,

sou da Terra criatura.

Aqui ergui o padrão

que assinala a comunhão

do berço e da sepultura.



Desde sempre como o pão

pelo diabo amassado.

O diabo da traição

quando na desunião

por minha mão é criado.



Na Terra por condição,

desavindo perco a Terra

quando em sangue amasso pão,

quando nego o meu irmão

e, traindo, faço a guerra.



Quem é que come o meu pão

nas horas da minha fome?

Quem me impõe a privação

se a minha fome é o pão

que quem decide me come?




José-Augusto de Carvalho
21 de Novembro de 2013.
Viana * Évora * Portugal

terça-feira, 12 de novembro de 2013

13 - NA PALAVRA É QUE VOU... * Da memória vigilante...


Impenitente aprendiz, registo os sinais da memória vigilante: aqui, é um caminho sem pressa de chegar; ali, é um valado bem guardado de silvas, amodorradas ao sol, enquanto as suas amoras amadurecem a saborosa guloseima da passarada; além, é o monte silencioso, no abandono da terra; mais além, em todo o derredor, é o azul, numa campânula celeste de parada beleza.

Ah, querido Amigo, querida Amiga de outras paragens...



Se fores ao Alentejo,
não bebas em Castro Verde, 
que as fontes cheiram a rosas
e a água não mata a sede.


O silvo de um comboio corta o silêncio. Os carris rasgam a imensidão das herdades. São raras as povoações servidas neste percurso ferroviário do Barreiro à Funcheira. Muitas das estações ficam a uma distância de quilómetros. Algumas já foram desactivadas e, ao abandono, arruinam-se. O critério que determinou o rasgar desta Linha de Sul não teve seguramente a finalidade de servir as populações. Assim foi no século XIX, assim foi no século XX, assim continua neste século XXI.

Aqui, as minhas primeiras idas a Lisboa eram uma aventura: de churrião, cumpria os quatro quilómetros da vila até à estação, estação que foi desactivada, se a memória me não trai, na década de sessenta do século XX.


Para utilizar a linha férrea, terei de cumprir seis quilómetros de táxi até à estação ferroviária mais próxima, em Vila Nova da Baronia, situada no concelho de Alvito.

Antes da activação do tabuleiro ferroviário da Ponte 25 de Abril, a linha de Sul levava-me ao Barreiro. Lá chegado, era a aventura da travessia do rio Tejo. Agora, mais comodamente, embarco em Vila Nova da Baronia  e desembarco em Lisboa. 

Que maravilha de serviço público!

Há mais de ano e meio, devido a internamento hospitalar de minha mulher, em Évora, durante o mês de Março, utilizei, diariamente, o transporte colectivo rodoviário. Apenas de segunda a sexta-feira, por não haver esse transporte aos sábados, domingos e feriados.


Longe, o Poder Central não tem disponibilidade para olhar para esta situação; perto, o Poder Local, que me conste, também não se preocupa com a situação deste município estar privado da sua estação ferroviária. E os munícipes aqui
permanecem esperando...

Outra maravilha de serviço público!

Este é, entre muitos, um quadro do país real.

Até sempre!

José-Augusto de Carvalho
Viana*Évora*Portugal
Novembro de 2009.


Nota: Este texto é de Novembro de 2009. Em Novembro de 2013, a situação permanece

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

04 - PÁTRIA TRANSTAGANA * Rimance na madrugada

Via Láctea
(Foto Internet, com a devida vénia)




Com a noite adormecia.

De madrugada, acordava,

sob este céu de magia,

que de estrelas pontilhava

a cósmica fantasia…



A estrada já conhecia

a sua certa passada.

E, diligente, lá ia, 

a estrada por companhia,

no frescor da madrugada.



Já alerta estava o gado.

Os seus passos conhecia.

Depois de limpo e tratado,

estaria preparado

para o trabalho do dia.



Ao cantar da cotovia,

começava a dura lida.

Quando mal rompia o dia,

a charrua já abria,

na terra, as rugas da vida.



E de sol a sol, doía,

por tão pouco, tal dureza.

Tantas horas num só dia!

Dia que apenas valia

uma jorna de tristeza!



Quanto podia a lembrança

das histórias dos antigos,

sempre houvera por herança

esta desgraçada andança

dum rosário dos castigos.



Triste história desta Vida!

Alcatruzes duma nora,

ora vindo de subida,

ora indo de descida,

gemendo como quem chora!



Ai, que fatal movimento,

insistente, rodopia?

Onde encontra tanto alento

p’ra manter o movimento

que sufoca cada dia?



Os dias passam em vão.

E sempre iguais no passar.

Nesta fatal rotação

vai girando a negação

de não sair do lugar.



Ai, tanta sede! Onde a fonte

em que se possa ir beber?

Perdido de monte em monte,

quem roubou o horizonte

da manhã a amanhecer?



José-Augusto de Carvalho
10 de Novembro de 2013.
Viana*Évora*Portugal

terça-feira, 5 de novembro de 2013

16 - NA ESTRADA DE DAMASCO * O remorso de Tomé

O avisado e incrédulo Tomé sabia que a sua terra vivia tempos difíceis. A nostalgia da promessa do pão repartido ameaçava desvanecer-se como uma miragem? A velha Estrada de Damasco perdera também o fascínio de outras eras? Sem memória nem alento, o tempo parara? As legiões estrangeiras impunham a Lei estrangeira. Os vendilhões reverenciavam os opressores e comiam sofregamente as migalhas da mesa da abastança paga pelos impostos que esmagavam o povo sob a divisa trágica: A César o que é de César! Numa ironia obscena, era de César o dinheiro do povo subjugado à Lei opressiva e estrangeira…

Ah, mas os velhos falavam da utopia, segurando nas mãos trémulas os cajados que iam amparando o que restava do alento de outros tempos.

Os meninos já não jogavam ao berlinde nem ao pião; as meninas já não jogavam as sete pedrinhas nem cantavam de roda o jardim da celeste; os adolescentes já não disputavam o espaço com os seus papagaios de papel; as adolescentes já não olhavam para a sombra nem sonhavam ruborizadas com os enleios da puberdade. Já não! Agora, desgraçadamente, os novos absorviam valores estranhos, que os envileciam e descaracterizavam; valores que mais e mais provocavam a sua dependência e a sua pobreza.

Da mesa da abastança estrangeira continuavam caindo as migalhas caritativas. Quem dá aos pobres, empresta a Deus! E assim persistiam, num desafio, os reverenciados esmoleres e os seus indispensáveis mendigos. A caridadezinha dos poderosos impunha-se e esmagava os direitos de um povo!

Por oposição à utopia dos velhos, os novos, formatados pela opressão alienante, acreditavam ter descoberto que as estradas eram só estradas e recusavam-lhes o fascínio do simbolismo duma direcção.

E o mar, ah, o mar!, era apenas o ócio da praia ensolarada e os mergulhos nas ondas que vinham desmaiar docemente no areal. O mar já não era mais a largada nem o regresso! O mar já não era mais o ponto de partida e o ponto de chegada!

E os campos, ah os campos!, eram a faina ultrapassada das searas de pão; eram a labuta ultrapassada das hortas donde vinham as couves e as batatas, as alfaces e o feijão, os espinafres e o grão de bico; eram os perdidos pomares, sempre melindrosos, donde vinham os frutos maduros, suculentos e doces; eram as vinhas imensas dourando ao sol no milagre do vinho a haver; eram os hoje cada vez mais raros animais mansos e os animais bravios numa partilha nem sempre harmoniosa do espaço; eram, afinal, o pão suado e honesto da ceia que a Lei estrangeira e os vendilhões haviam tornado impossível.

Os velhos interrogavam-se: como chegámos aqui? Onde errámos na preparação dos nossos filhos e, por eles e com eles, a construção dos Tempos? Que força impõe um templo de fariseus e de cambistas? Para quando um novo chicote expulsando de vez os vendilhões do Templo da Pátria?

Exausto, o velho Tomé, meneando cabeça, dizia de si para si: de que me serviu ser avisado? De que me serviu ser incrédulo? O meu remorso será sempre não ter deixado a mensagem fundamental: Quem não luta, perde sempre!



José-Augusto de Carvalho
5 de Novembro de 2013.
Viana*Évora*Portugal

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

01 - PÓRTICO * O meu (primeiro) testamento





Introdução

Ninguém pode encontrar-se ou perder-se em caminhos que sempre recusou percorrer.


Cidadania

Estou onde sempre estive, progressivamente mais firme nas convicções e mais decidido na sua defesa sustentada.

No caminho percorrido, deparei-me, como era inevitável, com perspectivas que recusei subscrever. É dura esta difícil caminhada! Mas ceder a cantos de sereia acaba sempre em perdição.

Hoje como ontem, reclamo-me aluno da Escola da Vida: estudo e aprendo. Numa constante revisão da matéria dada, corto aqui, acrescento ali.

Aceito como boa orientação a dúvida sistemática. Sou um daqueles que entendem haver muitas dúvidas e raras certezas. Sem nunca perder de vista o objectivo último, a correcção da rota é uma tarefa de todos as horas.

Não carrego no meu bornal a obstinação nem a auto-suficiência; são mantimentos que rejeito por indigestos.

Prezo a ponderação e a discussão; delas sempre nasce a luz possível que nos alumia. E, entre companheiros de jornada, não perco nem ganho debates de ideias: contribuo; não imponho e não tolero imposições. Na grande jornada da Humanidade, o contributo de todos é indispensável. Por dever e por respeito por mim e pelos outros.


Literatura 


Leio desde criança; escrevo desde criança.

Quanto ao que li, li de tudo, em boa verdade, mas tentei privilegiar a qualidade; a qualidade sempre relativa que o peso dos anos intenta sublimar.

Quanto ao que escrevo, ajuizará quem me ler. Não sou nem pretendo ser juiz em causa própria. Apenas posso garantir que procuro ser decente. Será pouco? Para mim, é um tudo de que não abdico.

No meu percurso, há livros publicados e textos em antologias. É o meu passado atestando etapas cumpridas.

Posteriormente, tive ofertas de publicação que recusei. E soube, até, de quem tivesse a pretensão de ajudar-me, confundindo divulgação de um trabalho com benemerência.

Distante de tertúlias por opção, comigo conto. E porque assim é, suporto o encargo deste isolamento que escolhi.

Na Literatura, serei ou não o que tiver de ser, mas sempre por merecimento e nunca por favor.

Quase tudo quanto escrevo está publicado em alguns espaços da Internet. Se, um dia, algum editor me ler e desejar editar-me, estarei disponível para ponderar a hipótese. Se tal oportunidade não surgir, talvez, um dia, eu decida assumir o encargo da publicação ou arrumar as centenas de páginas escritas na gaveta das inutilidades.

Se optar pela publicação, o favor ou desfavor dos meus concidadãos será da sua exclusiva responsabilidade. Sem recriminações, aceitarei o seu veredicto. E por uma óbvia razão: se a eles decidir destinar o resultado deste meu labor, a eles competirá aceitá-lo ou recusá-lo.

Hoje, é assim. Nada de definitivo existe sob o Sol.

Até sempre!

José-Augusto de Carvalho
1 de Novembro de 2013.
Viana*Évora*Portugal