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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * Encantamento




Antes de ti, as águas deste rio

cumpriam-se correndo sem parar.

Tinham por condição o desafio

de regressar aos caos --- o imenso mar. 



Cumpriam por cumprir o ciclo antigo,

vazias de emoção e sentimento,

como se a vida fosse, por castigo,

comer o pão sem sal e sem fermento.



Só quando tu chegaste a luz raiou.

E tudo em derredor ganhou sentido.

Até um passarinho desenhou

no céu azul as flor’s do teu vestido.



As águas, num murmúrio apaixonado,

beijavam as pedrinhas que rolavam 

num cálido bailar desordenado

em que, sem se ferir, se entrechocavam.



Os olhos do jumento que bebia

fixando a sua imagem com surpresa,

supunham encontrar a companhia

da sua condição e natureza.



Os patos que nadavam prazenteiros

mais pareciam ser de porcelana

no sonho de alma que a sondar roteiros

pintava de magia o nosso Odiana.



E eu era um marinheiro destemido

nas ondas dos teus olhos verde-mar,

a descobrir, indómito, o sentido

de me perder no porto por achar.




José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 2 de Fevereiro de 2017.



sábado, 2 de abril de 2016

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * Fim de tarde...


A tarde extingue-se. Exausto da caminhada, o Sol mergulha no Ocaso, envolto em arrebois de fogo, num ritual de fim. O manto de sombras prepara-se para agasalhar o sono que se aproxima. O ciclo cumpre-se. Um entre muitos dos ciclos que conhecemos. Amanhã, quando a manhã chegar «nos lábios da aurora», como poeticamente diz a “moda” do nosso amado Cante, outro ciclo se iniciará, alheio ao ciclo cumprido há poucas horas. É assim: o novo vem, o velho ficou nas sombras do que passou e não voltará jamais.
Dos passos dados nas caminhadas cumpridas, apenas um registo nas páginas da História do Tempo. Uma vida inteira registada em algumas linhas que irão dormir nas estantes do esquecimento de alguma biblioteca abandonada pelos poucos interessados ou curiosos de sonhos e pesadelos, de fastos e misérias dos ontens que são e sempre serão os pilares que sustentam os hojes da efemeridade.
Estranha esta realidade que designamos por hoje! Um lapso, um pestanejar momentâneo a separar os milénios do ontem dos milénios que se aprontam no amanhã que se futura!
No cair da noite que está prestes, sentei-me na berma do caminho. Sem meditações angustiadas nem elucubrações metafísicas, descanso. Sinto os pés doridos, sinto as pernas cansadas, sinto coração exausto de bater. Que paz neste descanso! Mal enxergo o ser e estar que me rodeia. Sombra e silêncio, nada mais. Nem a aragem me acaricia o rosto.
O que quis e não quis, o que pude e não pude, tudo jaz a meus pés num alforge de nada. Sobrou a inutilidade e uma nostalgia melancólica que breve, breve, adormecerá comigo.
Ah, mas há sempre um amanhã! Um amanhã que será, independentemente da minha vontade, independentemente de mim! Que seja, comigo ou sem mim, um amanhã. Um amanhã de sol e de esperança.
Comigo ou sem mim, o planeta continuará a girar nesta harmonia celeste que conhecemos! Até quando?
/
José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 2 de Abril de 2016.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * Minhas veias!




Só, nas margens do rio,

olho as águas e sinto-as correr.

Minhas veias de sal e de ousio,

quem vos pode deter

o navio?



Que desgraça

a tolher-me a coragem?

Tão distante da vida que passa,

já nem vejo a gaivota

em viagem

indicando-me a rota!



Minhas veias

a morrer neste cais!

Sem alor nem sinais,

só de nós falarão as areias

e o silêncio a carpir vendavais.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 25 de Janeiro de 2016.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * Cantilena outonal





Nesta monda das ervas daninhas

mais viçoso floresce o jardim.

Acrobáticas, as andorinhas, 

só de negro vestidas num luto por mim!



Ah, mais flores, suaves olores,

girândola de cores

sobre mim derramando saudades e dores!



Ao romper da manhã, a tarefa começa!

São as pétalas mortas caídas no chão,

é a frágil raiz da roseira em promessa

que não pode ganhar a melhor direcção…



Ah, mais flores, suaves olores,

girândola de cores

sobre mim derramando saudades e dores!



Pressuroso lá vou ajudar

a roseira menina que intenta crescer

e dar rosas de encanto de amar 

no milagre de ser e viver.



Ah, mais flores, suaves olores,

girândola de cores

sobre mim derramando saudades e dores!







José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 31 de Dezembro de 2015.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * Meio-Dia!





E quando o céu em chamas anuncia

o Meio-dia,

apenas o silêncio vela a tarde.

No altar do sacrifício, já mal arde

a cinza que restou

da vítima que o rito reclamou.



Agora,

apenas o descante das cigarras,

numa dolência triste de guitarras,

neste sem tempo chora.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 25 de Dezembro de 2005.

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * A roleta russa






Fumo cigarro após cigarro, noite adentro.

E nem com nicotina e fumo me concentro.



O pensamento voa e mágico volteia

em derredor da luz que a lâmpada irradia,

sequiosa borboleta

que louca se incendeia

na trágica roleta 

que anuncia

um fim que não receia.



Que estranha e dolorosa entrega em provação

esta da borboleta

ousando a libação

na vertigem do azar

da trágica roleta!

Continuo a fumar.




José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 25 de Dezembro de 2015.

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * Hoje






Hoje,

não tenho no sapatinho

nem ternura nem carinho

e tanto e tanto os pedi!



Hoje,

nem Jesus me trouxe a prenda

esquecida em sua agenda

e tanto e tanto a pedi!



Hoje,

e dela sem um sinal,

sei que não tive natal

e tanto e tanto o pedi!




José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 25 de Dezembro de 2015.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * A lanterna de Aladim





No princípio, o sinal da incerteza.

Era débil o caule que rompia.

Fascinado, intuí a beleza

no esplendor que o sinal prometia.



Sonhei pétalas rubras na flor

a sangrar no delírio de mim…

E chorei de emoção a supor

florescer outra vez o jardim.



Primavera no Outono --- magia

da lanterna do meu Aladim!

Que doçura que não alivia

no perder-me de ti e de mim!



José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 23 de Dezembro de 2015.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * Miragem estival...



(...ou a nostalgia do perdido Al-Andaluz)





Ah, meu amor, que bem me sabe o teu dulçor,

idílico sabor silvestre de medronho!

Que mágico elixir dos deuses e do sonho

da tua boca eu sorvo em êxtases de amor!



Minh’alba a mergulhar no nosso amado Odiana,

desnuda e pura ousando abraços de ternura,

vem descansar depois nos braços da tontura

que estendo para ti na sombra transtagana.



Eu tenho para dar-te açorda de poejos

e peixe que pesquei enquanto tu dormias

e à sobremesa o ardor de beijos, muitos beijos…



Terás, ao fim da tarde, o incêndio do sol posto

e enleios de abandono afogueando o teu rosto

sonhados quando dada em mim adormecias.



José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 21 de Dezembro de 2015.


segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * Embriaguez





Ai, amor, não digas não.

Não queiras quebrar o encanto

que levanto do meu chão

embriagado de espanto.



Dize-me apenas talvez.

Nessa angústia indefinida

darás à minha embriaguez

mais alguns dias de vida.



Ai, deixa o tempo voar

nas asas da embriaguez.

O cansaço há-de chegar

para matar-me de vez.



Eu irei reconfortado

no dulçor da embriaguez,

crendo que o sim esperado

daria fim ao talvez.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 21 de Dezembro de 2015.

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * Que dia lindo!...




Para JRC


Que dia lindo brinca nos teus olhos

e terno me encandeia até cegar!

Que importa nunca mais ver com meus olhos

se foi p’ra ti o meu último olhar?



Que importa a rara flor mais perfumada

perante a primavera que cinzelo?

Depois de ti, não quero ver mais nada,

que tudo em ti resumes do que é belo!



Que venha neste enleio a perdição!

Que seja, num qualquer altar pagão,

meu peito em sangue e dor sacrificado!



Que venha o sacrifício que se apronte,

que tu sempre serás a minha fonte!

E em ti morrendo, irei dessedentado…





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 20 de Dezembro de 2015.

domingo, 20 de dezembro de 2015

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * A gaivota





Os teus lábios de medronho

de fascínio e tentação

são de vida neste sonho

que mata o meu coração.



Que desgraçado conforto

morrer por ti sem te ter,

mas é maior desconforto

continuar a viver.



Nas águas do nosso Odiana

correm mistérios de nós,

desta condição humana

que sufoca a própria voz.



Nem os murmúrios sofridos

agitam as águas frias

nem o pulsar dos sentidos

dói mais nas marés vazias.



No rio manso que corre

para o mar que nos cumpriu

vai o desgosto que morre

e das margens ninguém viu!



Ninguém viu, ninguém chorou,

só no teu olhar tão triste

uma gaivota voou,

gaivota que só tu viste.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 20 de Dezembro de 2015.

sábado, 19 de dezembro de 2015

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * Que Natal tão frio!








Que tentação assombra o meu caminho

e quer de fel o resto da jornada.

Vivi o meu quinhão de vida alada,

Hoje não me embriago nem com vinho.



Perdi o quanto tive de riqueza.

Riqueza pura, de alma e de fascínio.

Agora, triste e só, vivo o declínio

que mata a presa velha e sem defesa.



O forte mata o fraco, determina

a lei desde o princípio natural.

Nem neste tempo doce de natal

vejo, no sapatinho, a mão divina.



Prosaico vem o tempo, frio, frio,

e sempre tão ausente, tão vazio!...





José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 19 de Dezembro de 2015.



quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * Impaciência



Odiana * San Lúcar / Alcoutim




Falo-te, não me respondes,

e eu sem saber a razão!

Se no silêncio te escondes,

só me geras aflição.



E conjecturo porquês

e nenhum me satisfaz.

Para um ano falta um mês

que resposta não me dás.



Faças tu o que fizeres,

o rio do sofrimento

nunca será, se o preferes,

o rio do esquecimento.



Nem a barca de Caronte,

nem outra de um outro mito,

me cerrará o horizonte

que nós somos de infinito.



Das águas do nosso Odiana,

neste Dezembro tão frio,

partirei na caravana

que ruma ao teu desafio.



José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 17 de Dezembro de 2015.

31 - NAS ÁGUAS DO NOSSO ODIANA * Em tempo de natal






Da barra, em Vila Real,

a maré vem rio acima.

E que frio traz o Natal,

o Natal que se aproxima!



Sem atraso no percurso,

cumpridor do calendário,

vem repetir o discurso

do messias operário.



Vem ainda pequenino,

e nas palhinhas deitado,

puro e nu como é destino

doutro qualquer deserdado.



Sobem as águas do Odiana,

cumprindo as leis naturais,

rumo à terra transtagana

de planuras e trigais.



Águas salgadas deveras,

fartas de peixes e de iodo!

Fim de angústias e de esperas

das mesas de um povo todo.



Como é mãe a natureza!

Corrige o inepto poder,

dando a todos com justeza

pra que todos possam ter.



E ninguém às águas tece

Hosanas e gratidão!

Ai, às vezes apetece

verberar a ingratidão.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 18 de Dezembro de 2015.