quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

17 - HARPEJOS * Cantares... (16)




Soletro, em cada verso, harpejos de inocência,

na pálida cadência

do vago anoitecer...

*

E vou, de verso em verso, ousando o meu poema,

silvestre, de alfazema,

num vago conceber...

*

Os ritmos são de acaso, arfando ou suspirando,

assim, sem onde ou quando,

num vago acontecer...

*

As rimas, sem matiz, são vãs sonoridades,

num manto de ansiedades

de vago entretecer...

*

Escrevo devagar. De dia ou a desoras.

Meu tempo tem por horas

um vago discorrer...

*

Na folha de papel, que branca me seduz,

revérberos de luz

num vago entontecer...

*

Meus olhos semicerro à luz que me encandeia.

No verso que tacteia

um vago debater...

*

No peito, o coração, aos poucos, esmorece

e o verso desfalece,

num vago adormecer...

*

O verso derradeiro, o verbo imperecível,

extingue-se, impossível,

num vago emudecer...

*



José-Augusto de Carvalho
Viana * Évora * Portugal

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

13 - NA PALAVRA É QUE VOU... * Falando de Carnaval...

Qualquer pessoa só se levanta depois de cair. Esta verdade, dita de La Palisse, é frequentemente esquecida pelos incautos e desprezada pela jactância militante.

Situações há em que da queda não se levanta, carecendo do auxílio alheio.

Verdade verdadinha que quase todos nós já demos uma queda e dela nos levantámos ou fomos levantados. Pois é, como diz o rifão, quem anda à chuva, molha-se…

Às vezes, por uma boa causa, arriscamos a intempérie. Aí, a molha vale como sacrifício recompensado.

Ah, mas outras vezes, arriscamos a intempérie por algo que não vale o sacrifício. E aí, ganhamos a molha e, não raro, uma constipação. Nestes momentos, vale a sabedoria que conheço desde criança: Deus manda ser bom, mas não manda ser parvo.

Nem sempre discernimos a boa causa do logro. A sedução da boa causa leva o logro a vestir as roupagens da boa causa e é nessas situações que claudica o discernimento. Que fazer? É da humana condição a cedência à sedução, seja genuína, seja uma mascarada perversa.

Meditar nestas coisas vulgares do quotidiano é um exercício prudente e ensina-nos que todo o carnaval tem a sua quarta-feira de cinzas.

A quarta-feira de cinzas é, como sabemos, o primeiro dia da Quaresma, dia que simboliza o dever da conversão, logo a alteração da vida descuidada, etc.

Este carnaval que vivemos e consentimos terá a sua quarta-feira de cinzas. Uns vão na leva, outros ficam-se olhando o desfile, esperando nem eles saberão exactamente o quê. E assim, crédulos e incrédulos, olhamos a comédia a que assistimos e que simultaneamente representamos.



José-Augusto de Carvalho
19 de Janeiro de 2014.
Alentejo * Portugal

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

30 - ...E CONTIGO MORRI NESSE DIA * Estes versos...





São versos dos meus cuidados,

versos de amor e desvelos,

arabescos entrançados

que enfeitam enamorados

os teus sedosos cabelos.



São versos de ânsia e de dor

quando uma névoa de mágoa

envolvendo em seu palor

o esplendor do teu rubor

os meus olhos enche de água.



São versos, versos de espanto,

que inspiras e que te devo,

versos que choro e que canto

e te cobrem como um manto

dum estremecido enlevo.





José-Augusto de Carvalho
10 de Janeiro de 2014.
Viana * Évora * Portugal

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

10 -CANTO REVELADO * Sangue antigo, sangue meu!





Sangue deste sangue sou.

Sangue herdado, sangue antigo.

Sangue que se derramou

e a terra-mãe empapou

em sacrifício e castigo.



Sangue antigo, sangue herdado,

farol que nunca se apaga.

Rio na terra cavado,

no impulso desesperado

que se dá e tudo alaga.



Sangue das minhas entranhas,

pulsando nas correntezas

de perigos e artimanhas,

entre mitos e gadanhas

de antemanhãs de incertezas.



Sangue antigo, sangue meu,

sangue que jorra da fonte

que já banhou Prometeu

e garante que sou eu

quem rasga o meu horizonte.



José-Augusto de Carvalho
8 de Janeiro de 2014.


Viana * Évora * Portugal