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domingo, 5 de junho de 2022

03 - ESTA LIRA DE MIM!... * As ruínas



ESTA LIRA DE MIM!...

*
As ruínas




Parado, vejo o Temp(l)o nas ruínas...
Que nada mais restou do que ruínas.

Incólume, um degrau me desafia
aos êxtases do sonho prometido,
como se houvesse ainda a escadaria
de acesso ao paraíso destruído...

Num instintivo gesto de defesa,
desvio o meu olhar da tentação.
E rumo aos horizontes de incerteza,
que há muito herdei do meu amado chão.

Sem forças p´ra lutar, que congeminas,
agora, quando tudo está perdido?
Restaram-te os assombros das ruínas...
E o que restou, agora, faz sentido!



José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 6 de Junho de 2022.






quinta-feira, 21 de outubro de 2021

03 - Livro "Esta lira de mim!..." * Evocação

 

ESTA LIRA DE MIM!...

*

Evocação

 



Se penso em ti, o verbo se liberta.

Irrompe, cristalino, em água pura

que dessedenta, em êxtase e loucura,

febril, a minha boca entreaberta.


A minha sede de alma que mitigas...

E quero-a gota a gota mitigada,

para te ter em mim tão prolongada

que nunca mais de mim partir consigas...

 

E seres a minha alma casta e linda,

sonhar-te sempre assim mulher-menina,

enleio que esvoaça em cor e luz...

 

E que depois do fim te veja ainda,

encandeado em cor e tremulina

e sempre a bendizer a minha cruz...

 


José-Augusto de Carvalho

Alentejo, Agosto de 2004..

03 - Livro "Esta lira de mim!... "* A visita

 



ESTA LIRA DE MIM!...

*

A visita




Naquele dia, a morte abriu os braços.

Chegou sem violência e sem andor.

No rosto, macerado de cansaços,

a palidez das rugas já sem cor.



Vestia um fato velho de amargor.

Os pés descalços lhe calando os passos.

A noite, abandonada de torpor,

escureceu os tempos e os espaços.



Sentou-se, de mansinho, aos pés da cama.

Circunvagou o olhar ausente e triste.

Inúteis, os remédios sobre a mesa.



No fim, ausente a farsa, ausente o drama,

apenas, nas certezas do que existe,

deveras, a nossa única certeza...



*

José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 23 de Outubro de 2004.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * Catarse (7)




Eu pouco, muito pouco, um quase nada eu sei, 

mas quando o Livro li, no espanto me enredei:
foi a revelação, 
foi a revelação que perene persiste.
Os pais de todos nós, por Deus e por acção.
Nomes são pormenor, na fé acreditei:
o Paraíso existe!



E vi o par eleito,

no seu amor perfeito,
sonhar e ser feliz nas áleas do Jardim.
Eu vi e me sonhei querendo para mim
uma ventura assim.



Perplexo, vi depois o fruto proibido

baloiçando pendente,
num derriço atrevido;
e perto, muito perto, a pérfida serpente
armando a tentação,
astuta e paciente,
nas malhas da traição.

Na verdade que foi e verdade perdura,
Eva cedeu à trama urdida livremente 
e lá foi ser maçã suculenta e madura
nos dentes da serpente...



Uma angústia mortal sufocou-me a garganta.

Que amor perfeito pôde haver desde o início?
Que mácula? Que ardil? Que embuste ou malefício
se impôs e contra Deus impune se levanta?



Aqui, eu desisti de ler o Livro antigo.

Verdade ou lenda, agora, que interessa?
O pântano instalou-se e trouxe por promessa
o embuste na serpente e o sonho por castigo.






José.Augusto de Carvalho

Alentejo, 11 de Agosto de 2020.















domingo, 9 de agosto de 2020

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * Catarse (6)

Catarse (6)



Soube da tremulina
quando o sol alucina.
E deste meu delírio
de sonhar-te o cantil
desta sede de Abril
surgiu o meu martírio.

Olor da melopeia
que encanta e que incendeia
meu sem tempo --- constante!
Se deslumbrado ardi,
ganhei no que perdi
o pouco por bastante.

O pouco que foi lenda
sonhada em oferenda,
sublimada no altar
de Apolo e de Afrodite,
horizonte limite
de ser sem me negar.


José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 31 de Julho de 2020.

sábado, 4 de julho de 2020

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * Voando

CLAVE DE MI(M)
.
Voando



Na minha chaminé habitam passarinhos.
É alta a chaminé. Não faço mais lareira.
Não posso perturbar aqueles frágeis ninhos.
Nem fumo, nem calor. Só paz hospitaleira.

Bem cedo, p'la manhã, ecoam seus trinados.
Eu sinto-me no Céu ouvindo a sinfonia!
Os sonhos do meu sonho assim são tão alados
que voam num voar de encanto que extasia!

Neste milagre eu vejo a Natureza ainda
a dar-me esta ilusão de pura liberdade.
E mais parece estar dizendo que não finda
esta ânsia de encontrar-me e ser-me de verdade.

Eu só quero colher os astros do meu chão!
Amor, o nosso chão! O chão do nosso pão!


José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 2002,



03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * Vale ser!

CLAVE DE MI(M)

Vale ser!





Até ao derradeiro instante, vale ser. 

Papoilas a sangrar alagam os adis. 

Alturas de tontura e luz e ninguém diz 

que neste chão há astros por colher… 



Ai, que sabemos nós da maravilha 

que medra e que se perde neste chão? 

Por que dizemos nós sempre que não 

se o pão se cumpre apenas na partilha? 



Resiste a ceia antiga à sucessão 

das noites e dos dias incumpridos… 

São ritos e conflitos repetidos 

enquanto p’la partilha espera o pão… 



E a fome espera, espera e desespera… 

E o pão já nem reclama p´la partilha! 

Que tempo foi de apelo e maravilha 

se nunca floresceu p’la primavera? 




José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 4 de Julho de 2020.

domingo, 28 de junho de 2020

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * A apariçáo





.

A aparição




Das sombras do Passado, a aparição.
Difícil é olhar --- magoa tanto!...
Ferido estremecer em convulsão...
Que dor sem fim atónito levanto?

Agora, neste exausto tempo chão,
que cálice de fel requer o canto?
No peito, sinto em paz meu coração,
que apenas a saudade valha o pranto.

Pintada fora a tela em tons de anil.
Serena amanhecera a Primavera.
Só na memória vive o mês de Abril
que gera o sonho e o sonho dilacera...

A Vida foi o livro que escrevemos
e nesta insónia amargurada lemos.


José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 28 de Junho de 2020.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * De partida...





… e soltas as amarras, desfraldaste
 as velas e rumaste ao Cabo Não.
 O nada na bagagem. Nem levaste
 um rubro cravo de recordação!...


 Dobrado o Cabo Não, o Bojador, 
de longe, te acenou, num desafio… 
Idólatra de totens, o tambor 
foi bússola e timão do desvario… 


A mítica serpente que perdera 
a graça da mãe Eva no pecado, 
secava, agora, a flor que Abril trouxera…


...e a dádiva de Abril que florescera, 
inerme, ao sol do campo abandonado, 
ainda chora a morta Primavera… 



José-Augusto de Carvalho 
Alentejo, 12 de Junho de 2020

domingo, 26 de abril de 2020

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * O elogio da Mãe



ESTA LIRA DE MIM!...

*
O elogio da Mãe






Que dia pode haver que te consagre, 

se há tanto os dias todos já são teus? 

Se todos nós, quer crentes, quer ateus, 

em ti reconhecemos o milagre? 



Teu ventre é o sacrário da promessa 

que sempre, imperecível, é cumprida, 

na vida que se dá de novo à vida, 

num hino de louvor que nunca cessa. 



O teu regaço terno embala o mundo, 

o mundo que te esquece e que se perde 

na horas em que mais de ti carece. 



Do céu azul ao pélago profundo, 

do luto preto à esperança verde, 

até ausente, és tu quem permanece. 




José Augusto de Carvalho 
Alentejo, 29 de Abril de 2011. 




quinta-feira, 26 de setembro de 2019

03 - LIVRO ESTALIRA DE MIM!... * O lado obscuro da História


O lado obscuro da História 





De soluços me chega, entrecortada, 

a saudade chorada que me cantas. 

Do desterro cruel a voz levantas, 

no silêncio da noite abandonada. 



Na memória do tempo, a melopeia 

é um raio de luz a consolar 

esta angústia sem prece nem altar 

que num auto-de-fé nos incendeia. 



São saudades de nós -- de ti, de mim… 

…quando, louco, o tapete que voava 

pelos ares infindos nos levava, 

sonhando as fantasias de Aladim! 



Personagens intemporais e avulsos, 

hoje, somos, nos livros infantis… 

Por que nenhum autor dos livros diz 

que nós do pátrio chão fomos expulsos? 



Do al-Andalus, de Sefarad fomos, 

em aras e desterro, os excluídos… 

Do silêncio a que fomos reduzidos, 

gritamos porque ainda vivos somos! 





José-Augusto de Carvalho 
25 de Setembro de 2019 
Alentejo * Portugal

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * O afã da procura


O afã da procura 






Caminheiro tenaz, perpétuo movimento, 

eu vou e, aqui e além, desvendo e me desvendo. 

Que bom, mesmo que doa angústia ou sofrimento, 

se, a cada instante, for o ser que esteja sendo! 



Que eu saiba recusar a inércia sufocante 

que quer empedernir a lava do vulcão 

e seja, em cada transe, o alor determinante 

da rútila manhã duma revelação! 



E que no fim da minha efémera jornada, 

regresse ao nada, sem remorso nem censura, 

porque rasguei em cada aclive a minha estrada 

e me cumpri no afã instante da procura… 



De herança, apenas deixo esta inquietação 

da lava onde não morre o fogo do vulcão. 





José-Augusto de Carvalho 
13 de Agosto de 2019. 
Alentejo*Portugal 


domingo, 30 de junho de 2019

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * Vento suão



Vento suão 






Vem o vento suão da fornalha de Hefesto, 

na Mãe África. Traz um rubor de artifícios 

e uma mescla de anéis de ancestrais malefícios 

que a bigorna forjou num desígnio funesto. 



Traz os gritos que a dor arrancou da raiz 

e morreram no mar do perpétuo desterro… 

Traz a cruz que de novo agoniza no cerro 

e calada, no horror sem perdão, tudo diz… 



Traz o medo do incréu num juízo final, 

onde o ser e o não-ser se debatem convulsos… 

Traz o verbo na luz sem grilhetas nos pulsos 

e a partilha do pão num sagrado ritual… 



E eu aqui neste chão que foi berço e regaço 

esperando por mim para o último abraço. 





José-Augusto de Carvalho 
29 de Junho de 2019. 
Alentejo * Portugal

sexta-feira, 21 de junho de 2019

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * Traço de união


Traço de união 





Escavo os subterrâneos da ausência 

em busca de vestígios e de escombros 

que jazem nos covais da decadência, 

ornados de mistérios e de assombros… 



Ossadas que me dizem ser o nada 

que resta do que foi vivido outrora… 

Memória sem memória, abandonada, 

e que nenhuma lágrima hoje chora… 



Escavo e não encontro nem um grito, 

um eco de algum ai aqui que diga 

eu sou de ti, ainda que proscrito, 

a génese perdida, a mais antiga… 



E não me deves nada, nem a prece 

que no recolhimento se murmura… 

Em ti, apenas, sou quem permanece, 

quem vai contigo, quem contigo dura… 



Agora que de mim não há mais nada, 

pára de procurar --- já tudo viste. 

E cumpre-te semente germinada, 

que tudo o que já foi em ti existe… 



Atónito, descubro que Sibila 

me trouxe a mítica revelação: 

que nem a morte que nos aniquila, 

destrói o nosso traço de união. 




José-Augusto de Carvalho 
19 de Junho de 2019. 
Alentejo * Portugal

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

03 - LIVRO ESTALIRA DE MIM!....I * O Fado





O Fado






Cumprida a rotação,

marcava mais um dia o calendário.

E sempre este fadário

de versos na tristeza da canção. 



É noite, agora? Ou dia? Quem o sabe?

Dolentes guitarradas

gemem desesperadas

no tempo do silêncio que lhes cabe. 



A voz se solta rouca e chora o canto

fatal do sofrimento,

enquanto o xaile negro, em negro manto,

enluta o desespero do lamento. 



E assim, no desencontro da existência,

monótona se cumpre a rotação,

sofrida no fadário da cadência

que marca o calendário da canção. 




José-Augusto de Carvalho
6 de Março de 2009.
Viana * Évora * Portugal

domingo, 30 de dezembro de 2018

12 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * O jogo





O jogo 





Que vivas as certezas que te deste, 

no espaço e neste tempo que é o teu! 

Efémero é o tempo que me veste, 

o tempo que só dúvidas me deu. 



Certezas tenho duas, que não mais! 

Sei que nasci e sei que vou morrer. 

No meu percurso, enxergo alguns sinais: 

quais devo preterir ou escolher? 



Um jogo que é de azar me deu a vida. 

O acaso que é dos dados desconheço. 

Não tenho alternativa na partida: 

dependo do que for cada arremesso. 



Na sorte arrisco tudo --- ou ganho ou perco… 

Que existe além da angústia deste cerco? 





José-Augusto de Carvalho 
30 de Dezembro de 2018. 
Alentejo * Portugal

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * O lumaréu!



O lumaréu! 









A Leste, um deslumbrante lumaréu 

sacralizando a fronte da manhã! 

Que lindo, assim rosado, fica o Céu! 

Sinto o sabor maduro de romã! 



O Paraíso existe mesmo, sim! 

É este desafio de infinito 

que vejo aqui olhando para mim, 

é este céu que fascinado fito. 



Nem Eva nem Adão eu descortino, 

que nesta dimensão não cabe o mito. 

Aqui só sinto e vejo e me alucino 

com estes horizontes de infinito! 



Rastejam por aqui serpentes várias… 

Nos ramos, baloiçantes, há maçãs… 

Que importa? Eu louvo e canto em minhas árias 

a luz e a cor de todas as manhãs. 



Ah, que ninguém apague o lucilar 

dos astros e o carmim do amanhecer! 

Que eu sinta no meu peito a palpitar, 

agora e sempre, o dia por nascer!... 





José-Augusto de Carvalho 
16 de Agosto de 2018. 
Alentejo * Portugal

sexta-feira, 20 de julho de 2018

03 - ESTA LIRA DE MIM!... * Verificação


(Esta lira de mim!...)

*

Verificação




Meus sonhos que não couberam

nos horizontes sem fim,

caber afinal puderam

nesta saudade de mim.



Na ânsia que me consumia,

sei que não fui e não vim…

E hoje sou a cinza fria

do fogo que ardia em mim.



Há em nós tudo o que fomos,

numa pureza menina

que nos dói e determina

esta saudade que somos.



E após o drama da Vida,

que promessa foi cumprida?





José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 6 de Julho de 1993.



quarta-feira, 20 de junho de 2018

12 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!... * Meus versos

MEUS VERSOS...


(Ícaro, Chagall)


Pediste-me um poema original

como se eu fosse um mago jardineiro

cuidando com desvelo dum canteiro,

de raro e fascinante roseiral.


Quem dera eu fosse o mágico poeta

que em rosas as palavras transfigura!

Vermelhas rosas ébrias da ternura

que dissimula uma paixão secreta.


Dos deuses enjeitado, como ousar

as siderais alturas onde os astros

são círios a velar ainda Orfeu?


Perdidos neste chão de malmedrar,

meus versos são, efémeros, os rastros

de quem não teve a graça de voar...



José-Augusto de Carvalho
20 de Junho de 2018.
Alentejo * Portugal



domingo, 29 de abril de 2018

03 - LIVRO ESTA LIRA DE MIM!...I * O trágico delírio



O trágico delírio 


Pintura que descreve o momento em que
a cavalaria portuguesa é cercada e envolvida 
pelas forças muçulmanas. 





Antiga, jaz a terra despojada. 

O Sol em chamas --- arde o céu azul! 

Dói em minh’alma ainda angustiada 

o fascínio do Sul. 



Que ceptros, que linhagens, que deidades 

caminhos de desterro determinam? 

Que feiras de opulências e vaidades 

amanhãs exterminam? 



Calaste a voz do Velho do Restelo 

que no poema grita ainda viva. 

Tragou-te o caos --- ergueste o pesadelo 

duma pátria cativa. 



No desamparo, a noite triste vela. 

Na imensidão do céu, lucilam círios. 

De Leste, o vento as nuvens acastela 

predições e martírios. 



Oh ânsia tresloucada de poder! 

Oh trágico delírio a sucumbir 

no palco inconquistado do não-ser, 

em Alcácer-Quibir? 





José-Augusto de Carvalho 
Alentejo, 28 de Abril de 1018.