segunda-feira, 21 de março de 2016

29 - ACÇÃO CÍVICA E LITERÁRIA * AGEI



Vôo independente

Poemas, contos e crónicas



Apresentação



José-Augusto de Carvalho

(Poeta do Alentejo)


A PRIMEIRA ANTOLOGIA DA AGEI


AGEI – causas e feitos

A Associação Gaúcha dos Escritores Independentes é uma necessidade da criação literária e do estudo empenhado e sustentado da sua problemática.
Hoje como ontem, quem escreve está sujeito às leis do mercado que levam até ao público leitor os textos dos prosadores e dos poetas.
As orientações editoriais, quando dependentes de perspectivas comerciais, onde o primado do lucro é determinante, relevam, quando anulam ou minimizam, o risco do prejuízo económico. É o tempo dos consagrados que se louva; mas é também o tempo de outros textos que valem pelo êxito fácil e que nada devem à arte do verbo. E, aqui, a Literatura sofre.
A AGEI surge como um grito de alerta e situando-se livre e independente dessas regras comerciais. Não rivaliza com ninguém. Dá voz aos autores que as editoras rejeitam por não garantirem, a priori, um êxito comercial. E com esta posição de assumida independência e de ruptura com as perspectivas comerciais, a AGEI pretende obter o livro-arte, em oposição ao livro-produto. E não será de atender, numa perspectiva de futuro, a curto ou médio prazo, o interesse do circuito comercial pelos autores agora rejeitados? Evidentemente que sim. E quando tal suceder, a AGEI merecerá o reconhecimento do seu projecto de amor pelo livro feito arte.


AGEI – a primeira antologia

A primeira antologia que a AGEI decide publicar creio bem ser um manifesto. E um manifesto livre. Em cada texto antologiado surge um autor rasgando um caminho, porventura indiferente aos padrões que alguém ousou definir, como se em arte, seja qual seja, houvesse outro padrão que não o da liberdade. A nós leitores nos é concedida a hora de uma descoberta. Descubramos pois como se inicia uma caminhada, esta com a aliciante de sabermos como começa e de não imaginarmos sequer como termina. Nós amaríamos que não terminasse, pois uma obra acabada é peça de museu, deixou de palpitar e de sonhar vida mais e mais.


AGEI – os antologiados

Numa antologia, não será de salientar este ou aquele antologiado. A antologia é como um arco-íris. E sendo um conjunto de tons, que cada um dos leitores se deslumbre com o tom ou os tons que mais preferir. Que escolha livremente e mergulhe quiçá na descoberta de outros tons que supunha não apreciar tanto e que, assim bem vistos de perto, afinal têm tanta beleza quanto os já definidos como preferidos. A palavra-arte é uma descoberta. Todos nos enriquecemos com a diversidade do discurso, da recuperação mágica da palavra banalizada pelo quotidiano, pela carga das emoções que tantas vezes nos abrem as portas de outros mundos. E nesta obra nos é apresentada a pluralidade verbal na singularidade do género literário. Perder a oportunidade de conhecer outras perspectivas de amar, de sofrer, de querer, de sonhar, de ir mais além… é recusar um horizonte prenhe de promessas aliciantes.


AGEI – a oportunidade desta antologia

Terminemos este nosso texto afirmando que é de todos os momentos a oportunidade de dar á luz a palavra-arte. Recusemos sempre e para sempre o bafio da gaveta onde, quantas vezes?, se perdem grandezas e magias. Só à luz da claridade se perceberão todos os contornos da beleza.
Vamos ler?



Viana do Alentejo, Portugal
3 de Outubro de 2002.

*
A Antologia foi lançada em Novembro de 2002, na Feira do Livro de Porto Alegre, cidade brasileira capital do Estado do Rio Grande do Sul.
Respeitei integralmente a edição em livro, da responsabilidade da AGEI.

sexta-feira, 18 de março de 2016

27 - ÁLBUM DE RECORDAÇÕES * Duze e José Augusto na Revolução dos Cravos


*
Pormenor da foto acima reproduzida

27 - ÁLBUM DE RECORDAÇÕES * Duze e seus tios Alzira e José Mourinha (anos 60)



27 - ÁLBUM DE RECORDAÇÕES * Duze e José Augusto (1990)



27 - ÁLBUM DE RECORDAÇÕES * Duze e sua tia Alzira (Lisboa, 1959)



27 - ÁLBUM DE RECORDAÇÕES * Duze e sua tia Alzira


Duze e sua tia paterna Alzira Palma * Lisboa, 1959.

27 - ÁLBUM DE RECORDAÇÕES * O sorriso feliz da Duze



quarta-feira, 16 de março de 2016

29 - ACÇÃO LITERÁRIA E CÍVICA * Prefácio para obra de Herculano Alencar


1.

É sempre muito gratificante um Amigo distinguir-nos com o convite para escrevermos um prefácio para um seu livro. É gratificante e uma responsabilidade séria, muito séria. Séria porque temos o dever fundamental de honrar a amizade; séria porque honrar a amizade não determina elidir a verdade, a nossa verdade. Evidentemente que um amigo não pede a outro que se demita da sua identidade, do seu critério valorativo na apreciação que lhe é pedida.
Este intróito é indispensável para que nos entendamos todos quanto ao que segue neste prefácio.


2

Conheci Herculano Alencar em Julho ou Agosto de 2002. Nessa época, conheci também as grandes poetisas Lizete Abrahão, que nos deixou em 19 de Setembro de 2015, e Lilian Maial. Todos gente nossa do muito amado Brasil, gente que guardo no coração.


3

Deixem-me abrir aqui um parêntesis para salientar o quanto gosto da palavra Poetisa. Tudo o que é feminino é belo, mais ainda quando esse feminino é a Mulher. Assim, exactamente, com maiúscula. Mulher foi a minha muito amada Mãe: Mulher foi a minha companheira de uma vida; Mulher são todas as mulheres que sabem honrar a sua condição de ente indispensável à Vida, de regaço que embala o Mundo. O feminino é um dos lados de nós, complementando com o masculino a integridade plena do ser humano de que nos reclamamos. Só por manifesta aberração não colocamos no mesmo patamar o feminino e o masculino. Só ambos são o todo.


3

Herculano Alencar é Poeta de assinaláveis recursos. A sua formação em Medicina acrescenta-lhe saberes próprios que utiliza aqui e ali, quando as circunstâncias lho exigem; a cultura filosófica é outro recurso fundamental; também a sua cultura na área da cidadania é um recurso inestimável para sempre privilegiar o lado certo da História da Humanidade. Tudo quanto saliento é por demais evidente no livro que irão ler.
Aqui relevo a sua análise certeira, a sua ironia, os seus alertas aos incautos.


4

Ninguém está sozinho no Universo. Herculano Alencar sabe disso muito bem, tanto assim é que convocou gente, e que gente!, para este seu livro. Sentou-se à mesa com toda essa gente e, entre uma garfada e um gole de vinho, foi parte dessa mesma gente, em pé de igualdade, evidentemente. Ouviu e foi ouvido; questionou, anuiu, divergiu, como é próprio de um cidadão inteiro que sabe o que quer e para onde vai.
O saber é uma acumulação de saberes, pois claro, meu estimado Herculano! Como se diz aqui no meu Alentejo: só todos juntos sabemos tudo.


5

Herculano Alencar privilegia a Filosofia, esta «coisa» que não sendo Ciência é a mãe de todas as Ciências! Esta «coisa» que tem o arrojo de nos ensinar a pensar!
Didacticamente faz anteceder os seus textos dos autores que lhe desencadeiam a voz e com ela a intervenção própria num diálogo
de gente crescida, de gente adulta, na exacta acepção do vocábulo.
Este diálogo não determina uma orientação mas uma postura, assim como quem diz «esta é a minha interpretação e dela parto para dizer sustentadamente o que penso».
A honestidade intelectual é sempre de saudar. Ai de nós quando a não temos!
Como cidadão português, cumpre-me agradecer a Herculano Alencar a identificação dos meus compatriotas: António Vieira, discípulo do meu conterrâneo Fernão Cardim, este sepultado em São Salvador da Baía, assim privilegiando o leito derradeiro em terras do seu amado Brasil; Florbela de Alma da Conceição Espanca, a Poetisa que tão infeliz foi, a alentejana como eu que permanece uma das moiras encantadas do nosso perdido Al-Andaluz; José Saramago, o Nobel (da Literatura) do nosso contentamento e um cidadão de corpo inteiro; Fernando António Nogueira Pessoa, o poeta que, com Luís Vaz de Camões, rasgou as fronteiras e ganhou a universalidade; Camilo Castelo Branco, o prosador que também tão infeliz foi e que continua sendo um cultor incontornável da Língua Portuguesa e um polemista temível; Agostinha da Silva, o pensador, o poeta e o tradutor da Eneida do latino Virgílio; e Alexandre Herculano, o grande Historiador e firme combatente nas lutas liberais, ao lado de Pedro, o quarto de seu nome em Portugal e o primeiro no Brasil.
De Alexandre Herculano se fala que terá tido um encontro com Pedro segundo do Brasil e que este lhe terá perguntado: Alexandre e agora como vai isto aqui? Referia-se a Portugal, claro. E Alexandre Herculano lhe terá respondido: Majestade, isto dá vontade de morrer.
Não se estranhe aí no Brasil o modo como os portugueses falam da sua amada Pátria. Já António Vieira dizia, no século dezassete, e cito de cor: os portugueses têm um pequeno país por berço e o mundo inteiro para morrerem. É o nosso Fado!



6

Aqui louvo o meu querido Amigo Herculano Alencar pelo debate que promoveu com tantas figuras, algumas de assinalável envergadura universal. Fico encantado por me confirmares conhecer a sentença que aprendi no meu Alentejo: «só todos juntos sabemos tudo.»
Para o leitor, inclusive o mais exigente, será esta obra de grande valia, quer pelos muitos autores convocados, quer pelo diálogo criador que Herculano Alencar manteve com eles.
É um livro de poesia. Nele é privilegiada a forma clássica --- o soneto, que nos chegou da Itália renascentista.
Boa leitura!

*

José-Augusto de Carvalho
Viana do Alentejo, Portugal, 5 de Janeiro de 2016.

29 - ACÇÃO LITERÁRIA E CÍVICA * Peregrinação


PEREGRINAÇÃO

COMENTANDO POESIA...

A Poetisa Maria da Graça Almeida



Este texto é uma peregrinação ao Santuário da Poesia. Não foi encomendado nem se fez anunciar. Surge, assim, ousado e só, sem amparo nem destinatário. E sem a preocupação de ser bem-vindo. Foi ditado por um impulso de apreço e pelo dever que me atribuo de manifestá-lo. Desde que me conheço que adoro, é o termo, o discurso poético. Evidentemente que o discurso poético será, em sentido lato, indefinível. Daí que dele derivem os diversos discursos poéticos, estes já definidos e precisos. E definir e precisar um discurso poético não é, nem pretende ser, a presunção de que um texto poético só admite uma interpretação. A ambiguidade do discurso concede à poesia a riqueza de leituras diversas, um abre-te sésamo de vários deslumbramentos, de entre eles, quantas vezes!, o de nos encontrarmos. 
Um professor de literatura ensinou-me, há muitos anos, uma definição de poesia que me encanta, ainda hoje, e que considero exacta, em absoluto: A poesia é a sublimação da prosa. Sabemos que também há discursos poéticos que recusam ou parece recusarem esta definição. E alguns com evidência bastante para se poder dizer que se os textos fossem escritos ignorando a forma, não (ou muito dificilmente) lhes chamaríamos poemas. 
Os discursos poéticos apresentam ainda cambiantes que determinam as preferências. Eu, pessoalmente, prefiro a poesia carregada de emoção. Esta preferência não é redutora, mas obriga-me a dizer que há os poetas/poetisas que aprecio e que há os poetas/poetisas que aprecio e admiro e os poetas/poetisas que eu amo. E justificar-me não é difícil: os nossos sentimentos são emoção. E não há amor sem emoção. Quem não se emociona com esta maravilha de Luís de Camões: Ah! minha Dinamene! assim deixaste / quem nunca deixar pôde de querer-te! 
Este amor, também em sentido lato, está presente nas saudades, nas rememorações infantis, na nostalgia, no arrebatamento, na melancolia, etc. Sentimentos, todos eles, que os poetas e as poetisas, quando alcançam as asas de infinito, sentem e fazem sentir de uma forma sublime, tamanha é a beleza do seu verbo. 
Esta peregrinação tem a curiosidade e o desafio perigoso e aliciante de ir ao Santuário da Poesia beber a água que jorra da fonte do estro da Poetisa Maria da Graça Almeida. 
Curiosidade, porque só a conheço pelos textos que escreve; desafio, porque não lhe pedi licença para esta ousadia; desafio-perigoso, porque enveredo por um caminho do qual não me poderia precaver quanto a dificuldades; desafio-aliciante, porque me está no sangue esta ânsia de aventura, que não sei como irá decorrer e menos ainda como irá terminar. 



Conheci a Poetisa Maria da Graça Almeida já neste ano de 2002, no ipoesia. O seu discurso poético despertou-me a atenção. Felizmente, para mim, atendendo à minha condição de leitor impenitente de poesia, Maria da Graça Almeida publicou diversos poemas, benevolência sua que me possibilitou uma melhor apreciação do seu estro.

Peço e espero muita compreensão, porque ainda que a língua seja comum, o ser e estar em Portugal será diferente do ser e estar no Brasil. Há especificidades intrínsecas a considerar, com a mais atenta ponderação. Sei que há vocábulos, no Brasil, dos quais desconhecemos, em Portugal, o significado; e, o que é delicado, vocábulos que alteraram o significado. E a utilização destes pode causar constrangimentos ou incompreensões. Ocorre-me, por exemplo, o vocábulo lindíssimo rapariga, tão comum aqui, e que no Brasil ganhou, não sei por que motivo, um significado absolutamente diferente. Um filólogo alemão distinguiu-o como o mais belo que conhecia, logo a seguir ao italiano ragazza. 
Considerando como dado adquirido que quem escreve poesia se desnuda, situação que na prosa não consigo detectar, a não ser a espaços e só muito relativamente, tenho tido a felicidade de conhecer interiormente muitos poetas e poetisas e, mais ainda, de confirmar esse presuntivo conhecer quando tive a possibilidade de os/as conhecer pessoalmente. É uma situação fascinante conhecermos alguém que, afinal, já "conhecíamos". 



Quem é a Poetisa Maria da Graça Almeida? 
Para mim, é comovente, é enternecedor, é emocionante imaginar o seu retrato. Sem medo dos adjectivos, afirmarei que é fascinante. E esta afirmação terá de ser devidamente esclarecida, pois, por si mesma, poderá parecer uma abstracção e/ou um arroubo de colegial apaixonado. 
A Poetisa Maria da Graça Almeida tem o privilégio de dominar diversos discursos poéticos com uma segurança invulgar. 



No Discurso da Poesia Infantil, o seu verbo é, sem artifícios, duma beleza infantil comovente, fundamentalmente porque não é uma adulta a escrever para crianças, mas uma adulta que consegue o encantamento de voltar a ser criança --- sendo uma criança a escrever para outras crianças ou, o que é encantatório, ser uma criança a escrever para si mesma, o encontro da criança com a criança, numa distanciação, diria irremediável, do complicado mundo adulto, do qual foram expurgadas, quais ervas daninhas, a pureza, a ingenuidade, o sonho menino que nunca é o pesadelo de ninguém. Ocorre-me, e cito de cor, Tiago de Melo, nesta maravilha de espanto e de enleio: "o homem confiará noutro homem, como o menino confia em outro menino". 
Avulsamente, algumas pérolas do discurso poético infantil que suportam a minha afirmação. 

Do poema "o cuco maluco": 

Nas férias de verão, 
fui à casa do vôvô. 
Era boa a estação, 
um bom sol, muito calor! 
........................... 
Quanto mais ele cantava: 
-- Cuco! Cuco! 
Mais nervosa eu rimava: 
-- Maluco! Caduco! 
.............................. 


Do poema "um sopro no dedinho": 

Dormia com o pé de fora 
e acordava toda hora, 
com o vento, que ria de cima, 
soprando seu pé de menina! 

Hoje eu durmo de meia, 
o vento só quer brincadeira, 
com meu pezinho no frio, 
até sinto arrepios! 
................................. 


O poema "peixe": 

O peixinho prateado 
no aquário sempre o vejo! 
Bem me fita, o assanhado, 
só querendo me dar beijos. 
Sua boca um "oi" miúdo 
vai dizendo e isso é bom, 
só o peixe neste mundo 
fala "oi" sem soltar som. 


Da riqueza deslumbrante da infância, a Poetisa Maria da Graça Almeida extrai maravilhas enternecedoras. Maravilhas que me mergulham numa nostalgia tão sentida, que sinto a voz embargada. 
Que delícia ler estes poemas e sentir-me vivo e menino no perdido mundo da minha infância! Profundamente emocionado, só me apetece dizer... e digo: Obrigado, Poetisa! 



No Discurso da Poesia de Intervenção, adulto e empenhado, o verbo é firme e poderoso, despojado de artifícios barrocos e sem tibiezas. É directo, livre e acutilante. 
Do que sustento, é elucidativo o poema "Juramento à liberdade do querer", do qual destaco estas asserções impressionantes: 

Juro sempre querer: 
os meus pés escolhendo (...) 
os chãos onde pisar; 
os olhos, livres, optando 
pela direcção de seu olhar; 
a boca abrindo-se larga, 
para brindar ou blasfemar; 
.................................. 
eu, sim, juro, sim, 
e isto é sério! 
mas, só juro, sim... 
porque quero! 


No poema "Visita Nocturna", a mesma acutilância, conjugada com a realidade dorida e sofrida, onde o verbo é um grito lancinante a ensurdecer a indiferença insultuosa da dita sociedade civilizada pela dignidade humana: 

.................. 
- Janela aberta! 
- alguém alerta - 
pegadas leves, 
visita breve. 

O anjo dorme. 
Na rua há fome! 
A casa é quieta, 
ninguém desperta. 
.......................... 


O poema "Meio-dia" é de uma subtileza singular, onde a mensagem propositadamente se dilui na toada cantante do discurso e na aparente inocência das imagens. Mas está lá tudo. Aceitando o enorme desafio, tentemos perceber a mensagem através de alguns versos: 

o sol de luz é bem cheio 
(A dádiva da natureza a manter viva a promessa negada pelos homens de que o sol quando nasce é para todos?) 

o trem que vem e apita 
(O trem, a aventura ou a desventura em movimento. Os que partem... perdidos; os que chegam...desenraizados?) 

estômago oco se agita 
(Será o atraso da refeição que está garantida? Ou será o atraso irremediável duma carência primária inadmissível?) 

guri pegando na bola 
(É um menino que brinca ou um excluído que tem na rua o recreio e o lar... e a delinquência a acenar?) 

mochila se indo à escola 
(É uma imagem linda! Será o menino da rua que "passeia" a ilusão de um futuro incerto ou duma refeição escolar?) 

Na Igreja insiste o sino 
(Insiste em quê? E porquê? E para quê? A interrogação constante sobre o significado das insistências...) 

o céu, no azul, é menino 
(O céu, pois, onde o voo é livre... e onde todos os meninos são iguais ao Menino Jesus! Onde são todos iguais!) 

Na praça clara, deserta, 
o tédio do homem desperta 
(A praça (o espaço!) é clara ( a luz!) e está deserta (sem ninguém?). E por que desperta o tédio do homem?) 

o sol não vislumbra a lua 
(Que quer isto dizer? Que a luz despreza a beleza do sonho que a lua representa simbolicamente? Que não-sol é este?) 



No Discurso de Costumes, a análise, a perspectiva e a ironia são graciosas e bem humoradas, divertindo-se com as estabelecidas convenções e comédias que a Sociedade institucionaliza e até sacraliza, com a leviandade e a encenação que privilegiam a face da superficialidade e, quantas vezes, da ostentação, à verdade visceral da pureza da nudez, sempre tão oposta a alardes e artifícios da vanidade que grassa com a impunidade datada da pretensão de impor o efémero parecer à perenidade do ser. 

Do poema "O casamento": 

Com babados, fricotes, 
bordaduras, franzidos, 
fez-se, lindo, o decote 
no mais belo tecido! 
............................ 
Decorada a capela, 
com guirlandas e velas, 
foi o noivo amoroso, 
aguardando por ela! 
............................. 
Pelo casa, não casa, 
deste par, corto as asas! 
No sermão, que é meu, 
hoje o "não"... digo eu! 


Do poema "Esmeralda": 

Esmeralda, Esmeralda... 
sempre tão bem arrumada! 
Esmeralda, seu esmero, 
chega a ser um despautério! 
................................... 
Passa o sol sobre o nariz, 
o cabelo põe de lado, 
à janela vai feliz, 
esperando o namorado! 
................................. 


Do poema "Serafina": 

Serafina, Serafina, 
sempre a vejo na janela! 
Será grossa ou será fina, 
sua canela, ó menina? 



No Discurso da Saudade irrompe, incontrolável, uma nostalgia emocionalmente contagiante, ora sofrida, ora censurante, ora deliciosamente prazenteira e menina. 
Destaquemos alguns versos para revelarem esta leitura que fazemos e que é redutora, porque este trabalho não é, como a Poetisa Maria da Graça Almeida inteiramente justifica, um estudo aturado. Limitar-se-á a umas poucas páginas. Será, por isso, um trabalho inacabado. Alguém com outro fôlego e outra capacidade a distinguirá com um estudo à sua altura. 

Do poema "Minha terra": 

Lá na terra onde nasci 
há mais terra, há mais chão, 
há mais mato, há mais grão. 

(E deste seu paraíso de liberdade sem limite, onde há espaço e há pão, parte para uma sacralização afectiva comovente...) 

Há amores mais amigos, 
há amigos mais antigos, 
há um céu tão mais aberto 
................................................... 

onde o povo é mais gente, 
onde as faces têm mais vida 
.................................................. 
as vizinhas são amigas, 
as amigas, meio irmãs 
e, em mãos, sempre entregam, 
com bom cheiro, com tempero, 
empanados com carinho, 
os segredos das manhãs. 


O poema "fiquei com vontade de contar" é uma pérola da juvenília, o prenúncio do dia que é hoje a Poetisa Maria da Graça Almeida. O primeiro desgosto de amor, já a resvalar para a sensação irremediável de perda que é, na idade adulta, a constante do nosso viver... a perda... a exacta e dolorosa certeza da nossa efemeridade. 
Destaquemos uns poucos versos, como que tão-só levantando uma ponta do véu: 

Se desta vida você for primeiro, nada se haverá de fazer. 
Emudecida, seguirei seu féretro e depositar-lhe-ei a mais bela flor 
que um dia, por aqui, inda irá aparecer. 
Duas gotas cairão e eu nem disfarçarei, não mais precisarei esconder 
...................................................................................................................................... 
Porém, se eu partir primeiro, ah, aí, sim, bem saberá o quanto o amei 
e os mares que por você deitei. 


Do poema "Retratos": 

Era eu menina, 
ela também. 
Eu tinha sonhos, 
ela... nem sei. 

Eu me alongava, 
ela também. 
Eu a amava, 
ela... nem sei 
............................... 
Doou-me os filhos, 
doou-me a sombra. 
...................................... 
E o tempo insano 
cruel, desumano, 
ferindo-a de morte 
mudou-lhe a sorte. 
.......................................... 
foi condenada 
por conta do nada. 
.............................................. 
Deixou-me um vazio 
e um peito vadio, 
chorando de dor 
o ataúde sem flor. 


E estoutra maravilha do poema "Duas letrinhas": 

Boca miúda... suja! 
"um dia, ainda, 
te passo pimenta, 
que saiam faíscas 
e fogo das ventas!" 
.................................... 
"Palavrão, nada, vovó, 
não é justo, tenha dó! 
A palavra é pequenina, 
duas letrinhas... e só!" 


"Atraso" é um poema incontornável: a ternura sublime da recordação de sua mãe. Dizemos, aqui, em Portugal, e, no Brasil, não sei, que "Mulheres há muitas, mas mãe há só uma". É a perda de que já falámos assombrando os nossos dias! Sentidamente recordo a amargura de Rosalía de Castro, a grande Poetisa da Ibéria, natural da Galiza, quando chora, ainda que noutro contexto: "Este parte, aquele parte, e todos, todos se vão...)". 

Vejamos: 

Conheci minha mãe, 
então, mãe de cinco filhos! 
Conheci-a já cheiinha 
de corpo e preocupação. 
Não sei se fui bem-vinda, 
às vezes penso que não! 
Já lhe pesava a idade 
e uma barriga a mais, 
numa idade avançada, 
ainda pesa tão mais! 
E assim mesmo apareci, 
mesmo sem ser convidada, 
mesmo sem prévio aviso, 
mesmo sem hora marcada! 
Ó mãe, desculpe 
minha visita inesperada! 
................................................ 
chego eu distraída, atrevida, 
toda em bronquite, 
e outros itens em ite, 
que a obrigaram 
nas madrugadas sombrias, 
nas noites quentes ou frias, 
a caminhar pela casa comigo 
no colo envelhecido 
................................................. 
Ó mãe, quantos anos eu lhe devo? 
................................... 
Ó mãe, de anos e anos já muitos, 
de tempos de alto custo, 
quase a mato de amor 
depois de matá-la de susto! 

É deveras incontornável este poema! A saudade sofrida! A dúvida sofrida! A mágoa sofrida! A ternura sofrida pela mãe querida e sofrida! Arriscamo-nos a afirmar de que só quem não teve mãe pode ficar indiferente à emoção arrebatadora que atingiu a Poetisa no momento mágico em que escreveu este poema. Este "atraso" merecia estar, sem favor, em todas as antologias de amor! Todas! 



No Discurso Lírico Confessional, precisando melhor, no discurso em que a Poetisa+Mulher+Cidadã deixa entrever as suas emoções perante si mesma e perante os outros, quer em sentido lato, quer em sentido restrito, a beleza persiste sempre em atingir alturas que nos encantam. 

Do poema "Volte para mim": 

................... 
Veja, o espelho envelheceu, 
olhe para mim, reconheça-me, sou eu. 
................... 
os mesmos joelhos já ralados 
pelas travessuras meninas 
e que se queixam, hoje, calejados 
pelas rezas e ladainhas 
...................... 
Perceba, o vento inda é aquele 
e, descabelado, varre as ruas 
com a mesma euforia, 
porém o tempo, engravatado, 
nem mais tem tempo 
de acalentar-me as fantasias... 
Então venha, faça um esforço, 
tente essa via, volte pra mim, 
sorria! 


O poema "Milagre": 

De raios vestida, 
com mel e acalanto, 
enfeitas a lida 
com doces de encanto. 

Do amor distraída, 
nas noites do campo, 
és fêmea contida, 
sem dores e pranto. 

Mas no lodo escuro, 
tens nome de flor. 
Num beco impuro, 
encontras a dor, 
com pincéis mais duros 
retocas a cor, 
com jeito maduro 
reprovas o amor. 


O poema "Ao poeta" será um apelo irresistível a Orfeu e à sacralização da Poesia: 

Sua palavra é feito água, 
que se infiltra cristalina, 
entre os lábios sequiosos 
de um sedento que definha. 
É um som que vem de longe 
e arrebata-me os sentidos, 
é a palavra que se encaixa 
feito nota em meus ouvidos. 
Vem com letras decididas, 
faz a frase resolvida. 
Sobre as linhas sublinhadas 
traz sua face estampada. 
Já conheço sua letra 
e o traçado da escrita. 
Reconheço-a facilmente, 
mesmo se não manuscrita . 


Do poema "Meu Deus", atentemos nesta definição que a Poetisa nos dá de Deus, o encantamento que pressente no mais íntimo de si mesma: 

Tens o êxtase do belo, 
a plenitude do subtil, 
a inquietude do mistério. 


E a angústia da vida que se esvai, a ansiedade do caminho inexorável para o termo do ciclo que nos é concedido, a certeza dolorosa da morte, porventura a nossa única certeza: 

........... 
Nunca tive vontade de ir, sempre quis ficar. 
Quando criança, tentava inventar 
jeitos para ludibriar a derradeira chamada... 
Aí pensei: Ficarei através dos filhos. 
Mas, imediatamente, percebi que filhos 
não traduzem sem interferência os sentimentos nem 
os pensamentos... de pais, eles próprios têm os próprios. 
Então resolvi escrever... quem sabe... 

Deste lamento desesperado da Poetisa também ressalta(?), e de forma exemplar, a mensagem que muitos pretendem ignorar: que a vida que geramos viverá a sua vida... ou que a vida se não esgota, evidentemente, na procriação... ou , talvez melhor, que todos devemos viver a nossa vida e deixar os outros, ainda que filhos, viver as suas. Será? 
São bastantes e variados os cenários que podemos observar no nosso quotidiano se pretendermos atentar nos relacionamentos familiares. Há os filhos que nunca consentem cortado o cordão umbilical; há os ditos independentes, que querem viver a sua vida, saindo de casa, como os pássaros do ninho, logo que as asas lhes permitem uma hipótese de voo; há os que invocam a sua vida conjugal e o aforismo "quem casa quer casa" para, decididamente cortarem as amarras. E a vida é isto... cada vida é uma vida... que se cumpre ou não! 



O discurso, o estilo, a versificação... e que mais? 
A Poetisa Maria da Graça Almeida conseguiu encontrar a beleza da pluralidade temática na singularidade poética. Queremos com isto dizer que a Poetisa é sempre ela mesma, porque o seu discurso nunca viola o seu estilo. Nem poderia violar, porque as emoções são autênticas, são saboreadas, são sentidas, são sofridas! 
A versificação é, em Maria da Graça Almeida, mais uma variedade de ritmos do que uma norma pré-estabelecida. Cultiva tanto o versilibrismo como o verso medido. E com a mesma desenvoltura e a mesma segurança. 


Nota final. Necessária. Indispensável. Rigorosa. 
Sabemos e queremos este trabalho como uma aproximação à Poesia de Maria da Graça Almeida. Uma descoberta a desafiar quem não leu a sua poesia. 



José-Augusto Carvalho 
6 a 20 de Abril de 2002. 
Alentejo * Portugal