quarta-feira, 16 de março de 2016

29 - ACÇÃO LITERÁRIA E CÍVICA * Prefácio para obra de Herculano Alencar


1.

É sempre muito gratificante um Amigo distinguir-nos com o convite para escrevermos um prefácio para um seu livro. É gratificante e uma responsabilidade séria, muito séria. Séria porque temos o dever fundamental de honrar a amizade; séria porque honrar a amizade não determina elidir a verdade, a nossa verdade. Evidentemente que um amigo não pede a outro que se demita da sua identidade, do seu critério valorativo na apreciação que lhe é pedida.
Este intróito é indispensável para que nos entendamos todos quanto ao que segue neste prefácio.


2

Conheci Herculano Alencar em Julho ou Agosto de 2002. Nessa época, conheci também as grandes poetisas Lizete Abrahão, que nos deixou em 19 de Setembro de 2015, e Lilian Maial. Todos gente nossa do muito amado Brasil, gente que guardo no coração.


3

Deixem-me abrir aqui um parêntesis para salientar o quanto gosto da palavra Poetisa. Tudo o que é feminino é belo, mais ainda quando esse feminino é a Mulher. Assim, exactamente, com maiúscula. Mulher foi a minha muito amada Mãe: Mulher foi a minha companheira de uma vida; Mulher são todas as mulheres que sabem honrar a sua condição de ente indispensável à Vida, de regaço que embala o Mundo. O feminino é um dos lados de nós, complementando com o masculino a integridade plena do ser humano de que nos reclamamos. Só por manifesta aberração não colocamos no mesmo patamar o feminino e o masculino. Só ambos são o todo.


3

Herculano Alencar é Poeta de assinaláveis recursos. A sua formação em Medicina acrescenta-lhe saberes próprios que utiliza aqui e ali, quando as circunstâncias lho exigem; a cultura filosófica é outro recurso fundamental; também a sua cultura na área da cidadania é um recurso inestimável para sempre privilegiar o lado certo da História da Humanidade. Tudo quanto saliento é por demais evidente no livro que irão ler.
Aqui relevo a sua análise certeira, a sua ironia, os seus alertas aos incautos.


4

Ninguém está sozinho no Universo. Herculano Alencar sabe disso muito bem, tanto assim é que convocou gente, e que gente!, para este seu livro. Sentou-se à mesa com toda essa gente e, entre uma garfada e um gole de vinho, foi parte dessa mesma gente, em pé de igualdade, evidentemente. Ouviu e foi ouvido; questionou, anuiu, divergiu, como é próprio de um cidadão inteiro que sabe o que quer e para onde vai.
O saber é uma acumulação de saberes, pois claro, meu estimado Herculano! Como se diz aqui no meu Alentejo: só todos juntos sabemos tudo.


5

Herculano Alencar privilegia a Filosofia, esta «coisa» que não sendo Ciência é a mãe de todas as Ciências! Esta «coisa» que tem o arrojo de nos ensinar a pensar!
Didacticamente faz anteceder os seus textos dos autores que lhe desencadeiam a voz e com ela a intervenção própria num diálogo
de gente crescida, de gente adulta, na exacta acepção do vocábulo.
Este diálogo não determina uma orientação mas uma postura, assim como quem diz «esta é a minha interpretação e dela parto para dizer sustentadamente o que penso».
A honestidade intelectual é sempre de saudar. Ai de nós quando a não temos!
Como cidadão português, cumpre-me agradecer a Herculano Alencar a identificação dos meus compatriotas: António Vieira, discípulo do meu conterrâneo Fernão Cardim, este sepultado em São Salvador da Baía, assim privilegiando o leito derradeiro em terras do seu amado Brasil; Florbela de Alma da Conceição Espanca, a Poetisa que tão infeliz foi, a alentejana como eu que permanece uma das moiras encantadas do nosso perdido Al-Andaluz; José Saramago, o Nobel (da Literatura) do nosso contentamento e um cidadão de corpo inteiro; Fernando António Nogueira Pessoa, o poeta que, com Luís Vaz de Camões, rasgou as fronteiras e ganhou a universalidade; Camilo Castelo Branco, o prosador que também tão infeliz foi e que continua sendo um cultor incontornável da Língua Portuguesa e um polemista temível; Agostinha da Silva, o pensador, o poeta e o tradutor da Eneida do latino Virgílio; e Alexandre Herculano, o grande Historiador e firme combatente nas lutas liberais, ao lado de Pedro, o quarto de seu nome em Portugal e o primeiro no Brasil.
De Alexandre Herculano se fala que terá tido um encontro com Pedro segundo do Brasil e que este lhe terá perguntado: Alexandre e agora como vai isto aqui? Referia-se a Portugal, claro. E Alexandre Herculano lhe terá respondido: Majestade, isto dá vontade de morrer.
Não se estranhe aí no Brasil o modo como os portugueses falam da sua amada Pátria. Já António Vieira dizia, no século dezassete, e cito de cor: os portugueses têm um pequeno país por berço e o mundo inteiro para morrerem. É o nosso Fado!



6

Aqui louvo o meu querido Amigo Herculano Alencar pelo debate que promoveu com tantas figuras, algumas de assinalável envergadura universal. Fico encantado por me confirmares conhecer a sentença que aprendi no meu Alentejo: «só todos juntos sabemos tudo.»
Para o leitor, inclusive o mais exigente, será esta obra de grande valia, quer pelos muitos autores convocados, quer pelo diálogo criador que Herculano Alencar manteve com eles.
É um livro de poesia. Nele é privilegiada a forma clássica --- o soneto, que nos chegou da Itália renascentista.
Boa leitura!

*

José-Augusto de Carvalho
Viana do Alentejo, Portugal, 5 de Janeiro de 2016.

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