sexta-feira, 30 de outubro de 2015

15 - CANTO REBELADO * Estes dias...





Os dias acontecem devagar,

ao ritmo do relógio que inventámos.

Em Maio vem o tempo de ceifar

o trigo que em Novembro não semeámos.


O ciclo natural do nosso pão,

alheio à míngua em dor da nossa mesa.

Ah, pátria minha, tanta provação

e tantos horizontes de incerteza!


Um rictus quase obsceno e vil enruga

a massa levedada que nos fita.

No velho cais, em lágrimas, a fuga

acena a rendição desta desdita...


Que dias estes que não reconheço!

Serão não-dias --- dias do avesso?...




José-Augusto de Carvalho
5 de Janeiro de 2012.
Viana * Évora * Portugal

sábado, 3 de outubro de 2015

30 - ...E CONTIGO MORRI NESSE DIA * O meu jardim




Na construção do meu jardim gastei a vida toda.

Sob um caramanchão de versos e verdores,

um dia, celebrei o azul da minha boda.



No céu, ardia o sol. As uvas, já maduras,

sorriam o delíquio ardente dos sabores

em taças de cristal ornadas de nervuras.



Não quis no meu jardim o mito da maçã.

De carne e sangue, quis meu corpo a palpitar

rubores de romã no orvalho da manhã.



E assim fiquei rendido ao êxtase de ser

um fio de cristal ansiando pelo mar,

no altar deste meu chão de angústias, a correr…





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 4 de Outubro de 2015.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

29 - ACÇÃO LITERÁRIA E CÍVICA * Primavera gaúcha de 2002

Cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil)
Feira do Livro * Entrevista a um canal de televisão
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Cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil
A poetisa Lizete Abrahão (28/11/1941 + 19/9/2015), fotografada por mim.
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Cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil)
Feira do Livro * Foto de grupo
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Cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil)
Feira do Livro * Eu e a poetisa Lizete Abrahão, ladeados por 2 escritores da AGEI
(AGEI - Associação Gaúcha de Escritores Independentes)
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Cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil)
Feira do Livro * A poetisa Lizete Abrahão na sessão de autógrafos

15 - CANTO REBELADO * Opção





Nunca quis

a utopia

da raiz

que morria.



Quero o ser

que palpita

e acredita

que há-de ser.



Quero ser,

no sujeito

resoluto,



o nascer

do direito

absoluto.



José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 12 de Dezembro de 1994.

30 - ...E CONTIGO EU MORRI NESSE DIA * Apelo de alma





Nas bermas dos caminhos, os anseios

mesclados de silvestres florescências.

Suspensos de subtis inconfidências,

são madrigais de sonho os seus gorjeios.



Perfilam-se horizontes e manhãs

rasgando mais caminhos na distância.

Policromias raras de fragrância

inventam tons vermelho de romãs.



Anseios resistindo à finitude

no imenso não dum coração aflito 

aos outonais acordes de alaúde.



Oh alma da minh’alma, oh infinito,

que possas tu em mim o que eu não pude

e leva-me nas asas do teu grito.






José-Augusto de Carvalho
Alentejo, Portugal, 23/9/2015.

15 - CANTO REBELADO * Ao Paço!







Sineiro deste burgo sem burgueses,

que esperas, que não tocas a rebate?

Talvez o bronze acorde alguns malteses

que uma salada sirvam de tomate.


Que temes tu, sineiro, que vacilas

nas horas em que mais é proibido

o vacilar, nas horas intranquilas,

em que a nós todos tudo é exigido?


Apressa-te, sineiro! O sino é nosso!

Ou vais ou outro vai em teu lugar

chamar as gentes todas ao terreiro!


Ainda que já velho, até eu posso

correr ao campanário p’ra puxar

a corda e sufocar mais um andeiro!




José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 1 de Outubro de 2015.

13 - NA PALAVRA É QUE VOU... * Nesta hora!...


Ah, Democracia!

Na velhinha Atenas, o sonho somou duas palavras mágicas --- Povo e Poder --- e nasceu esta definição – DEMOCRACIA.

Caiu a velhinha Atenas democrática, o povo foi submetido, o poder foi tomado pelos outros.

Mais de dois mil anos depois, como vamos de Democracia, minha querida velhinha Atenas?

Será que continuamos amontoados na caverna e resignados a ver as sombras projectadas do que se passa e não passa no exterior?

Será que o velho Platão estará desesperado a gritar-nos do Hades: Oh, gentes! Afinal ainda nada aprenderam? Que fazem aí acantonados?

Pois é, falando da minha Pátria, que vejo eu? Vejo muitas organizações políticas em período eleitoral.

Vejo todas estas organizações políticas a reclamarem votos para a Democracia.

Assumido cidadão versado em coisa nenhuma, debato-me por entre as malhas desta interrogação: de tantas propostas de caminhos, que caminho escolho eu?

Ora bem, optei por uma proposta.

Eu sei que poderia não optar; que poderia ficar a ver a banda passar… (Olá, Chico Buarque!!) Só que não deixo que os demais optem por mim. Por dignidade, por opção.

Toda a situação me parecia evidente até que…

…até que atroaram os meus ouvidos persistentes clamores. Apurei o ouvido e apercebi-me de que surgira uma nova proposta –- a da utilidade.

Fiquei sabendo que me propõem que a minha escolha deverá recair numa proposta diferente daquela por que optei. Não porque esta nova proposta que me apresentam seja melhor, mas porque tem de ser por oposição a outra ainda pior.

Não fiquei confuso, aqui juro! Fiquei desolado, porque concluí que estou perante estoutra proposta: esquece a opção convictamente sustentada e opta, de entre estas duas, por aquela que consideres a menos má.

Concluindo: há quem pretenda que a festa, que deveria ser da Democracia, passe a ser a festa do mal menor.

Finalizando: como vês, meu velho Platão, a caverna continua… e os cavernícolas também!



José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 2 de Outubro de 2015.