quinta-feira, 24 de outubro de 2013

19 - O LIVRO DAS MINHAS INQUIETAÇÕES * V

Quinta inquietação



A supremacia do conteúdo sobre a forma parece-me ser um dado adquirido. No poema, que importa que siga as normas dos manuais da versificação ou siga caminhos outros? Será sempre um tentame nos complexos caminhos da Poesia. Com ou sem forma definida, com ou sem metro, com ou sem rima, a Poesia acontece. Ao poeta cabe a escolha da forma ou da ausência dela.

Sei haver gente que se compraz em catalogar os poemas com base na forma que vestem. Para os indefectíveis da autopoclamada modernidade, o soneto já foi! Para os indefectíveis da versificação, o poema sem forma, sem rima, sem metro, é um naco de prosa entrecortada aleatoriamente, presumindo-se versos. Uns e outros quase sempre esquecem o conteúdo e a Poesia. Falam de versos.

Todos sabemos que um pôr de sol, além da beleza pictórica, pode ser um poema sem palavras. Há que encontrar o sortilégio da Poesia onde ele efectivamente está. Na minha perspectiva, é belo este grito de Luís de Camões --- Ah, minha Dinamene, assim deixaste quem nunca deixar pode de querer-te... --- independentemente do espaço e do tempo em que seja lido. A sensação de perda do Poeta é absolutamente clara e dolorosamente bela. Assim foi entendido no século XVI, assim é entendido no século XXI.

Longa é a caminhada, muitos são os caminheiros. A Poesia a todos deslumbra. A maioria ficará pelo caminho; uns, poucos, alcançarão o patamar reservado aos eleitos. Todos são credores do nosso respeito; alguns são credores da nossa admiração. O Tempo, indiferente aos interesses e aos conluios, determinará sempre os que passam e os que permanecem. Zoilo só ficou na História porque tentou denegrir Homero.


José-Augusto de Carvalho
27 de Dezembro de 2006.
Viana * Évora * Portugal

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