segunda-feira, 4 de maio de 2015

26 - FRAGMENTOS * Agostinho Madeira


O saudoso Agostinho Madeira adorava ler. Aos amigos, dizia amiúde: «O livro é um amigo sempre disponível para falar connosco.» 
Dispensava um carinho singular ao pátrio idioma e era exigente no discurso. Quantas vezes, relia esta ou aquela passagem, ora deliciado ora meneando negativamente a cabeça e murmurando: «A coisa não saiu como deveria, que pena!» Também resmungava quando lia uma ou outra palavra em língua estrangeira. «Até parece que o português não tem as palavras adequadas», censurava. Só o velho Latim não lhe merecia reparos. «O Latim é a matriz», reconhecia.

Dispensava uma atenta e curiosa atenção aos livros de viagens, não pelas aventuras, mas pelas descrições de lugares e suas gentes. Era um viajante sem sair da sua terra. Ausentar-se era um sacrifício. Poucas vezes saía, mas quanto tinha de ser, lá ia. Tratava do indispensável e sempre ansioso por regressar. Dizia com frequência: «Na nossa terra, até as pedras da calçada nos conhecem».

Falava com desgosto dos emigrantes: «Que sina terem de ir ganhar o pão de cada dia em terra estranha! Não é justo!»

Até com os vizinhos espanhóis era sempre muito atencioso. E justificava: «Devem ser acarinhados, pois têm dificuldade em fazer-se entender e em entender-nos.» E concluía sabiamente: «É uma grande verdade que temos de ser uns para os outros.»

A sua cidade era Évora. Lá fizera a instrução primária, devido a exigências familiares; e, pelo mesmo motivo, frequentara o Liceu Camões, em Lisboa, mas a capital do país não o prendera. O torrão natal e Évora eram a sua paixão, por esta ordem.

Formado pelos ideais da res publica, era um democrata. Sempre relembrava: «Os homens são todos iguais em deveres e direitos. Ricos, remediados e pobres, todos nascem sem camisa.»

Quando era questionado sobre a desigualdade manifesta que sempre provoca a existência de ricos, remediados e pobres, meneava afirmativamente a cabeça e reconhecia: «Pois é, ainda não chegámos lá a esse patamar, mas chegaremos.» E logo acrescentava, com convicção: «O Homem ou tem por objectivo a perfeição humana ou é um caso perdido.»

*
José-Augusto de Carvalho
Escrito há anos, em data incerta.
Viana*Évora*Portugal

Sem comentários:

Enviar um comentário

Procuro ser uma pessoa honesta. Não será bem-vindo a este espaço quem divergir desta minha postura.