terça-feira, 3 de outubro de 2017

16 - NA ESTRADA DE DAMASCO * Nihil sine causa


NA ESTRADA DE DAMASCO
.
Nihil sine causa (1)






...e levo a vida a perguntar por mim!

Em vão insisto, mas ninguém responde.

Pergunto, apenas, por que um dia vim

e por que a causa assim de mim se esconde.



Da causa obscura eu só conheço o efeito:

é esta dor moendo até mais não!

Que coração aguenta ser no peito

tão-só um tique-taque sem razão?



Que sonho ou pesadelo a Vida quer?

Que dívida de ser em mim perdura?

Do ignoto caos nem consegui sequer,

para a merenda, uma romã madura.



Desamparado e nu, assim cheguei.

Sorrindo, minha mãe, num terno enlevo.

Nos braços maternais me aconcheguei.

Que dívida a pagar? Eu nada devo!



O maternal carinho não esqueço.

Está perdido nos confins do nada.

Nesta viagem de ida e sem regresso,

com minhas mãos rasguei a minha estrada.



Amei e fui amado --- estou sozinho.

De pé, sem medo, espero ouvir agora

em uma encruzilhada do caminho

dobrar por mim a Torre da Má Hora.



E lá irei dormindo de viagem,

sem perceber que causa quis que eu fosse. 

E levarei o nada na bagagem,

o mesmo nada que do caos eu trouxe.


*

(1)- nihil sine causa (locução latina) -- Nada existe sem uma causa.
 Fonte: Cícero, De Finibus, I, 19.

*

José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 3 de Outubro de 2017.

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