NA ESTRADA DE DAMASCO
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Nihil sine causa (1)
...e levo a vida a perguntar por mim!
Em vão insisto, mas ninguém responde.
Pergunto, apenas, por que um dia vim
e por que a causa assim de mim se esconde.
Da causa obscura eu só conheço o efeito:
é esta dor moendo até mais não!
Que coração aguenta ser no peito
tão-só um tique-taque sem razão?
Que sonho ou pesadelo a Vida quer?
Que dívida de ser em mim perdura?
Do ignoto caos nem consegui sequer,
para a merenda, uma romã madura.
Desamparado e nu, assim cheguei.
Sorrindo, minha mãe, num terno enlevo.
Nos braços maternais me aconcheguei.
Que dívida a pagar? Eu nada devo!
O maternal carinho não esqueço.
Está perdido nos confins do nada.
Nesta viagem de ida e sem regresso,
com minhas mãos rasguei a minha estrada.
Amei e fui amado --- estou sozinho.
De pé, sem medo, espero ouvir agora
em uma encruzilhada do caminho
dobrar por mim a Torre da Má Hora.
E lá irei dormindo de viagem,
sem perceber que causa quis que eu fosse.
E levarei o nada na bagagem,
o mesmo nada que do caos eu trouxe.
*
(1)- nihil sine causa (locução latina) -- Nada existe sem uma causa.
Fonte: Cícero, De Finibus, I, 19.
*
José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 3 de Outubro de 2017.
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