Declaração

Não convoco favores de musas
nem sublimes acordes de Orfeu.
Sem assomos de ingratas recusas,
digo apenas, aqui, que sou eu.
Venho só, sem escudo nem lança,
sem ardores de raiva e vingança.
Não ensaio nenhum madrigal
nem as ninfas acordo nas fontes.
Já morreram no meu laranjal
os virgínios adornos das frontes.
Que ficou do que Amor concebeu?
Em que incêndios profanos ardeu?
Em caminhos inóspitos ando,
sem alforge de magro sustento.
Só as aves, em lúdico bando,
cantam hinos de audaz movimento,
acrobatas sem medo nem rede…
…e eu no chão a morrer-me de sede!
Não acuso os arroios calados
nem receio o matiz dos assombros.
Cada passo de passos mal dados,
mais a carga me pesa nos ombros.
Subo ao cume do monte num rito
de ganhar o horizonte infinito.
Entre perdas e ganhos encontro
discernível o saldo de mim.
Oxalá que nenhum desencontro
de mais pese nas contas do fim!
E de contas saldadas e em fumo,
seja o céu o meu último rumo.
Simulacro de inútil história,
nada importa ao devir que se apronte.
Seja viva e perene a memória
da futura manhã que desponte.
Seja Amor a plantar laranjais
que floresçam rubis virginais.
José-Augusto Carvalho
Alentejo, 7 de Outubro de 2017.
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