quarta-feira, 2 de julho de 2014

16 - NA ESTRADA DE DAMASCO * Pentacríptico




1.
No princípio, o verbo quis,

em conjugações obscuras,

ser grão e depois raiz

do chão projectando alturas...


Desnudo, no paraíso,

o par de divina essência

cantava, no tom preciso,

o elogio da indolência.


Do seu cume imperativo

e projectando o perfil

pelas lonjuras de anil,

deus olhava o par cativo.


E, certo da tentação,

provocou a transgressão.



2.
Expulso do paraíso

no primeiro alvorecer,

era ainda um improviso

a vida que houve de ser.


Adão pesou, pensativo,

o gesto da divindade

e a condição de ex-cativo,

encontrada a liberdade.


E naquela antemanhã,

que mal podemos supor,

percebeu por que a maçã

tinha um estranho sabor:


o sabor da inteligência

acordando a consciência.



3.
Pródiga era a natureza!

Tudo dava, hospitaleira...

Viver era uma beleza,

sem transtorno nem canseira.


Sentia às vezes saudade

do paraíso perdido...

Mas fora a sua vontade:

assim tinha decidido.


Lá, tinha que obedecer,

ser aplicado no estudo

e ouvir e não rebater...


A liberdade era assim:

não se podia ter tudo

dentro ou fora do jardim...



4.
Sem armas e sem abrigos,

um ninho nos ramos altos,

prevenia os sobressaltos

dos mais diversos perigos.


Nessa arte da construção

imitou os primos símios,

que eram astutos e exímios,

arquitectos de eleição.


Gozando a paz absoluta,

descobriu ser bom pensar:

e concluiu que uma gruta

era o lar a conquistar,


por ser melhor tal intento

do que viver ao relento.



5.
Um dia, o par decidiu

o que há de mais natural:

Eva emprenhou e pariu

o pecado original...


E do seu cálido ninho,

recendendo a puridade,

foi descoberto o caminho

terrestre da humanidade.


E tudo assim sem alarde,

nem hosanas nem prebendas...

Não foi cedo nem foi tarde.

Depois vieram as lendas,


vestindo de cor e rito

o simbolismo do mito.




José-Augusto de Carvalho
9 de Junho de 1998.
Viana*Évora*Portugal

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