Caim matando Abel ou o mito a ganhar vida
Neste fim de
jornada, cada dia que passa mais relembro a adolescência. Que feliz é o
tempo da primavera da vida! Sabemos tudo! Tudo é possível! E somos cáusticos
com os velhos e com as suas lamúrias de receios e temores. Não sabem nada, os
velhos! O mundo mudou, cheiinho de coisas novas. Coisas que os velhos não
entendem porque o seu tempo passou. Pois...
Ah, mas o tempo
não pára! E a primavera não é eterna! Depois do sonho virá o despertar e aí, a
primavera será a saudade dos arroubos e da vida cor-de-rosa. E quando aí,
implacavelmente, surgirá, em todo o seu esplendor, a máxima: «Jovem és, velho
serás, conforme fizeres, assim acharás.» Assim acharás, jovem, se te recusares
a aprender com aqueles que já comeram o pão que o diabo amassou.
A vida a todos
ensina: há os que aprendem, há os que não aprendem.
Quantos vezes dou
comigo a pensar: há milénios que dura esta caminhada rumo à decência e à
dignidade. Por que haverá tantos retrocessos? Por que haverá tantos pratos de
lentilhas e tantos famintos deles?
E dou comigo a
concluir: em cada esquina da vida há uma armadilha.
Quando se chega a
velho, o balanço que se faz raramente é positivo. Os desgostos, as traições, os
cadafalsos são pérolas do rosário que se desfia. E o corpo já nem dói. A mente,
ai esta velha mente!, descobre entre os escombros o lenitivo desgraçado da
resignação e com ele o convencimento não menos desgraçado de que a utopia é impossível.
E neste contexto,
ocorre-me a leitura deprimente e perversa, mas possível, da carochinha que se
exibe à janela, oferecendo-se a quem passa, como uma mercadoria, ao primeiro
predador que lhe agrade.
Que decência na
vida?
Que sublimação no
amor?
Aqui chegam os
incautos. Aqui chegam os que «sabem» tudo. Por que será tão difícil fazer da
Vida o encontro abençoado com o outro?
Gabriel de Fochem
Alentejo, 16 de
Setembro de 2015
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