Duze e Apolo, Março de 2002 * Casa de Viana
terça-feira, 29 de março de 2016
terça-feira, 22 de março de 2016
segunda-feira, 21 de março de 2016
29 - ACÇÃO CÍVICA E LITERÁRIA * AGEI
José-Augusto de Carvalho
(Poeta do Alentejo)
A PRIMEIRA ANTOLOGIA DA AGEI
AGEI – causas e feitos
A Associação Gaúcha dos Escritores Independentes é uma necessidade da criação literária e do estudo empenhado e sustentado da sua problemática.
Hoje como ontem, quem escreve está sujeito às leis do mercado que levam até ao público leitor os textos dos prosadores e dos poetas.
As orientações editoriais, quando dependentes de perspectivas comerciais, onde o primado do lucro é determinante, relevam, quando anulam ou minimizam, o risco do prejuízo económico. É o tempo dos consagrados que se louva; mas é também o tempo de outros textos que valem pelo êxito fácil e que nada devem à arte do verbo. E, aqui, a Literatura sofre.
A AGEI surge como um grito de alerta e situando-se livre e independente dessas regras comerciais. Não rivaliza com ninguém. Dá voz aos autores que as editoras rejeitam por não garantirem, a priori, um êxito comercial. E com esta posição de assumida independência e de ruptura com as perspectivas comerciais, a AGEI pretende obter o livro-arte, em oposição ao livro-produto. E não será de atender, numa perspectiva de futuro, a curto ou médio prazo, o interesse do circuito comercial pelos autores agora rejeitados? Evidentemente que sim. E quando tal suceder, a AGEI merecerá o reconhecimento do seu projecto de amor pelo livro feito arte.
AGEI – a primeira antologia
A primeira antologia que a AGEI decide publicar creio bem ser um manifesto. E um manifesto livre. Em cada texto antologiado surge um autor rasgando um caminho, porventura indiferente aos padrões que alguém ousou definir, como se em arte, seja qual seja, houvesse outro padrão que não o da liberdade. A nós leitores nos é concedida a hora de uma descoberta. Descubramos pois como se inicia uma caminhada, esta com a aliciante de sabermos como começa e de não imaginarmos sequer como termina. Nós amaríamos que não terminasse, pois uma obra acabada é peça de museu, deixou de palpitar e de sonhar vida mais e mais.
AGEI – os antologiados
Numa antologia, não será de salientar este ou aquele antologiado. A antologia é como um arco-íris. E sendo um conjunto de tons, que cada um dos leitores se deslumbre com o tom ou os tons que mais preferir. Que escolha livremente e mergulhe quiçá na descoberta de outros tons que supunha não apreciar tanto e que, assim bem vistos de perto, afinal têm tanta beleza quanto os já definidos como preferidos. A palavra-arte é uma descoberta. Todos nos enriquecemos com a diversidade do discurso, da recuperação mágica da palavra banalizada pelo quotidiano, pela carga das emoções que tantas vezes nos abrem as portas de outros mundos. E nesta obra nos é apresentada a pluralidade verbal na singularidade do género literário. Perder a oportunidade de conhecer outras perspectivas de amar, de sofrer, de querer, de sonhar, de ir mais além… é recusar um horizonte prenhe de promessas aliciantes.
AGEI – a oportunidade desta antologia
Terminemos este nosso texto afirmando que é de todos os momentos a oportunidade de dar á luz a palavra-arte. Recusemos sempre e para sempre o bafio da gaveta onde, quantas vezes?, se perdem grandezas e magias. Só à luz da claridade se perceberão todos os contornos da beleza.
Vamos ler?
Viana do Alentejo, Portugal
3 de Outubro de 2002.
*
A Antologia foi lançada em Novembro de 2002, na Feira do Livro de Porto Alegre, cidade brasileira capital do Estado do Rio Grande do Sul.
A Antologia foi lançada em Novembro de 2002, na Feira do Livro de Porto Alegre, cidade brasileira capital do Estado do Rio Grande do Sul.
Respeitei integralmente a edição em livro, da responsabilidade da AGEI.
sexta-feira, 18 de março de 2016
quarta-feira, 16 de março de 2016
29 - ACÇÃO LITERÁRIA E CÍVICA * Prefácio para obra de Herculano Alencar
É sempre muito gratificante um Amigo distinguir-nos com o convite para escrevermos um prefácio para um seu livro. É gratificante e uma responsabilidade séria, muito séria. Séria porque temos o dever fundamental de honrar a amizade; séria porque honrar a amizade não determina elidir a verdade, a nossa verdade. Evidentemente que um amigo não pede a outro que se demita da sua identidade, do seu critério valorativo na apreciação que lhe é pedida.
Este intróito é indispensável para que nos entendamos todos quanto ao que segue neste prefácio.
2
Conheci Herculano Alencar em Julho ou Agosto de 2002. Nessa época, conheci também as grandes poetisas Lizete Abrahão, que nos deixou em 19 de Setembro de 2015, e Lilian Maial. Todos gente nossa do muito amado Brasil, gente que guardo no coração.
3
Deixem-me abrir aqui um parêntesis para salientar o quanto gosto da palavra Poetisa. Tudo o que é feminino é belo, mais ainda quando esse feminino é a Mulher. Assim, exactamente, com maiúscula. Mulher foi a minha muito amada Mãe: Mulher foi a minha companheira de uma vida; Mulher são todas as mulheres que sabem honrar a sua condição de ente indispensável à Vida, de regaço que embala o Mundo. O feminino é um dos lados de nós, complementando com o masculino a integridade plena do ser humano de que nos reclamamos. Só por manifesta aberração não colocamos no mesmo patamar o feminino e o masculino. Só ambos são o todo.
3
Herculano Alencar é Poeta de assinaláveis recursos. A sua formação em Medicina acrescenta-lhe saberes próprios que utiliza aqui e ali, quando as circunstâncias lho exigem; a cultura filosófica é outro recurso fundamental; também a sua cultura na área da cidadania é um recurso inestimável para sempre privilegiar o lado certo da História da Humanidade. Tudo quanto saliento é por demais evidente no livro que irão ler.
Aqui relevo a sua análise certeira, a sua ironia, os seus alertas aos incautos.
4
Ninguém está sozinho no Universo. Herculano Alencar sabe disso muito bem, tanto assim é que convocou gente, e que gente!, para este seu livro. Sentou-se à mesa com toda essa gente e, entre uma garfada e um gole de vinho, foi parte dessa mesma gente, em pé de igualdade, evidentemente. Ouviu e foi ouvido; questionou, anuiu, divergiu, como é próprio de um cidadão inteiro que sabe o que quer e para onde vai.
O saber é uma acumulação de saberes, pois claro, meu estimado Herculano! Como se diz aqui no meu Alentejo: só todos juntos sabemos tudo.
5
Herculano Alencar privilegia a Filosofia, esta «coisa» que não sendo Ciência é a mãe de todas as Ciências! Esta «coisa» que tem o arrojo de nos ensinar a pensar!
Didacticamente faz anteceder os seus textos dos autores que lhe desencadeiam a voz e com ela a intervenção própria num diálogo
de gente crescida, de gente adulta, na exacta acepção do vocábulo.
Este diálogo não determina uma orientação mas uma postura, assim como quem diz «esta é a minha interpretação e dela parto para dizer sustentadamente o que penso».
A honestidade intelectual é sempre de saudar. Ai de nós quando a não temos!
Como cidadão português, cumpre-me agradecer a Herculano Alencar a identificação dos meus compatriotas: António Vieira, discípulo do meu conterrâneo Fernão Cardim, este sepultado em São Salvador da Baía, assim privilegiando o leito derradeiro em terras do seu amado Brasil; Florbela de Alma da Conceição Espanca, a Poetisa que tão infeliz foi, a alentejana como eu que permanece uma das moiras encantadas do nosso perdido Al-Andaluz; José Saramago, o Nobel (da Literatura) do nosso contentamento e um cidadão de corpo inteiro; Fernando António Nogueira Pessoa, o poeta que, com Luís Vaz de Camões, rasgou as fronteiras e ganhou a universalidade; Camilo Castelo Branco, o prosador que também tão infeliz foi e que continua sendo um cultor incontornável da Língua Portuguesa e um polemista temível; Agostinha da Silva, o pensador, o poeta e o tradutor da Eneida do latino Virgílio; e Alexandre Herculano, o grande Historiador e firme combatente nas lutas liberais, ao lado de Pedro, o quarto de seu nome em Portugal e o primeiro no Brasil.
De Alexandre Herculano se fala que terá tido um encontro com Pedro segundo do Brasil e que este lhe terá perguntado: Alexandre e agora como vai isto aqui? Referia-se a Portugal, claro. E Alexandre Herculano lhe terá respondido: Majestade, isto dá vontade de morrer.
Não se estranhe aí no Brasil o modo como os portugueses falam da sua amada Pátria. Já António Vieira dizia, no século dezassete, e cito de cor: os portugueses têm um pequeno país por berço e o mundo inteiro para morrerem. É o nosso Fado!
6
Aqui louvo o meu querido Amigo Herculano Alencar pelo debate que promoveu com tantas figuras, algumas de assinalável envergadura universal. Fico encantado por me confirmares conhecer a sentença que aprendi no meu Alentejo: «só todos juntos sabemos tudo.»
Para o leitor, inclusive o mais exigente, será esta obra de grande valia, quer pelos muitos autores convocados, quer pelo diálogo criador que Herculano Alencar manteve com eles.
É um livro de poesia. Nele é privilegiada a forma clássica --- o soneto, que nos chegou da Itália renascentista.
Boa leitura!
*
José-Augusto de Carvalho
Viana do Alentejo, Portugal, 5 de Janeiro de 2016.
29 - ACÇÃO LITERÁRIA E CÍVICA * Peregrinação
PEREGRINAÇÃO
COMENTANDO POESIA...
A Poetisa Maria da Graça Almeida
1
Este
texto é uma peregrinação ao Santuário da Poesia. Não foi encomendado nem se fez
anunciar. Surge, assim, ousado e só, sem amparo nem destinatário. E sem a
preocupação de ser bem-vindo. Foi ditado por um impulso de apreço e pelo dever
que me atribuo de manifestá-lo. Desde que me conheço que adoro, é o termo, o
discurso poético. Evidentemente que o discurso poético será, em sentido lato,
indefinível. Daí que dele derivem os diversos discursos poéticos, estes já
definidos e precisos. E definir e precisar um discurso poético não é, nem
pretende ser, a presunção de que um texto poético só admite uma interpretação.
A ambiguidade do discurso concede à poesia a riqueza de leituras diversas, um abre-te
sésamo de vários deslumbramentos, de entre eles, quantas vezes!, o de nos
encontrarmos.
Um
professor de literatura ensinou-me, há muitos anos, uma definição de poesia que
me encanta, ainda hoje, e que considero exacta, em absoluto: A poesia é a
sublimação da prosa. Sabemos que também há discursos poéticos que recusam ou
parece recusarem esta definição. E alguns com evidência bastante para se poder dizer
que se os textos fossem escritos ignorando a forma, não (ou muito dificilmente)
lhes chamaríamos poemas.
Os
discursos poéticos apresentam ainda cambiantes que determinam as preferências.
Eu, pessoalmente, prefiro a poesia carregada de emoção. Esta preferência não é
redutora, mas obriga-me a dizer que há os poetas/poetisas que aprecio e que há
os poetas/poetisas que aprecio e admiro e os poetas/poetisas que eu amo. E
justificar-me não é difícil: os nossos sentimentos são emoção. E não há amor
sem emoção. Quem não se emociona com esta maravilha de Luís de Camões: Ah!
minha Dinamene! assim deixaste / quem nunca deixar pôde de querer-te!
Este
amor, também em sentido lato, está presente nas saudades, nas rememorações
infantis, na nostalgia, no arrebatamento, na melancolia, etc. Sentimentos,
todos eles, que os poetas e as poetisas, quando alcançam as asas de infinito,
sentem e fazem sentir de uma forma sublime, tamanha é a beleza do seu
verbo.
Esta
peregrinação tem a curiosidade e o desafio perigoso e aliciante de ir ao
Santuário da Poesia beber a água que jorra da fonte do estro da Poetisa Maria
da Graça Almeida.
Curiosidade,
porque só a conheço pelos textos que escreve; desafio, porque não lhe pedi
licença para esta ousadia; desafio-perigoso, porque enveredo por um caminho do
qual não me poderia precaver quanto a dificuldades; desafio-aliciante, porque
me está no sangue esta ânsia de aventura, que não sei como irá decorrer e menos
ainda como irá terminar.
2
Conheci
a Poetisa Maria da Graça Almeida já neste ano de 2002, no ipoesia. O seu
discurso poético despertou-me a atenção. Felizmente, para mim, atendendo à
minha condição de leitor impenitente de poesia, Maria da Graça Almeida publicou
diversos poemas, benevolência sua que me possibilitou uma melhor apreciação do
seu estro.
Peço
e espero muita compreensão, porque ainda que a língua seja comum, o ser e estar
em Portugal será diferente do ser e estar no Brasil. Há especificidades
intrínsecas a considerar, com a mais atenta ponderação. Sei que há vocábulos,
no Brasil, dos quais desconhecemos, em Portugal, o significado; e, o que é
delicado, vocábulos que alteraram o significado. E a utilização destes pode
causar constrangimentos ou incompreensões. Ocorre-me, por exemplo, o vocábulo
lindíssimo rapariga, tão comum aqui, e que no Brasil ganhou, não sei por que
motivo, um significado absolutamente diferente. Um filólogo alemão distinguiu-o
como o mais belo que conhecia, logo a seguir ao italiano ragazza.
Considerando
como dado adquirido que quem escreve poesia se desnuda, situação que na prosa
não consigo detectar, a não ser a espaços e só muito relativamente, tenho tido
a felicidade de conhecer interiormente muitos poetas e poetisas e, mais ainda,
de confirmar esse presuntivo conhecer quando tive a possibilidade de os/as
conhecer pessoalmente. É uma situação fascinante conhecermos alguém que,
afinal, já "conhecíamos".
3
Quem
é a Poetisa Maria da Graça Almeida?
Para
mim, é comovente, é enternecedor, é emocionante imaginar o seu retrato. Sem medo
dos adjectivos, afirmarei que é fascinante. E esta afirmação terá de ser
devidamente esclarecida, pois, por si mesma, poderá parecer uma abstracção e/ou
um arroubo de colegial apaixonado.
A
Poetisa Maria da Graça Almeida tem o privilégio de dominar diversos discursos
poéticos com uma segurança invulgar.
4
No
Discurso da Poesia Infantil, o seu verbo é, sem artifícios, duma beleza
infantil comovente, fundamentalmente porque não é uma adulta a escrever para
crianças, mas uma adulta que consegue o encantamento de voltar a ser criança
--- sendo uma criança a escrever para outras crianças ou, o que é encantatório,
ser uma criança a escrever para si mesma, o encontro da criança com a criança,
numa distanciação, diria irremediável, do complicado mundo adulto, do qual
foram expurgadas, quais ervas daninhas, a pureza, a ingenuidade, o sonho menino
que nunca é o pesadelo de ninguém. Ocorre-me, e cito de cor, Tiago de Melo,
nesta maravilha de espanto e de enleio: "o homem confiará noutro homem,
como o menino confia em outro menino".
Avulsamente,
algumas pérolas do discurso poético infantil que suportam a minha
afirmação.
Do
poema "o cuco maluco":
Nas
férias de verão,
fui
à casa do vôvô.
Era
boa a estação,
um
bom sol, muito calor!
...........................
Quanto
mais ele cantava:
--
Cuco! Cuco!
Mais
nervosa eu rimava:
--
Maluco! Caduco!
..............................
Do
poema "um sopro no dedinho":
Dormia
com o pé de fora
e
acordava toda hora,
com
o vento, que ria de cima,
soprando
seu pé de menina!
Hoje
eu durmo de meia,
o
vento só quer brincadeira,
com
meu pezinho no frio,
até
sinto arrepios!
.................................
O
poema "peixe":
O
peixinho prateado
no
aquário sempre o vejo!
Bem
me fita, o assanhado,
só
querendo me dar beijos.
Sua
boca um "oi" miúdo
vai
dizendo e isso é bom,
só
o peixe neste mundo
fala
"oi" sem soltar som.
Da
riqueza deslumbrante da infância, a Poetisa Maria da Graça Almeida extrai
maravilhas enternecedoras. Maravilhas que me mergulham numa nostalgia tão
sentida, que sinto a voz embargada.
Que
delícia ler estes poemas e sentir-me vivo e menino no perdido mundo da minha
infância! Profundamente emocionado, só me apetece dizer... e digo: Obrigado,
Poetisa!
5
No
Discurso da Poesia de Intervenção, adulto e empenhado, o verbo é firme e
poderoso, despojado de artifícios barrocos e sem tibiezas. É directo, livre e
acutilante.
Do
que sustento, é elucidativo o poema "Juramento à liberdade do
querer", do qual destaco estas asserções impressionantes:
Juro
sempre querer:
os
meus pés escolhendo (...)
os
chãos onde pisar;
os
olhos, livres, optando
pela
direcção de seu olhar;
a
boca abrindo-se larga,
para
brindar ou blasfemar;
..................................
eu,
sim, juro, sim,
e
isto é sério!
mas,
só juro, sim...
porque
quero!
No
poema "Visita Nocturna", a mesma acutilância, conjugada com a
realidade dorida e sofrida, onde o verbo é um grito lancinante a ensurdecer a
indiferença insultuosa da dita sociedade civilizada pela dignidade
humana:
..................
-
Janela aberta!
-
alguém alerta -
pegadas
leves,
visita
breve.
O
anjo dorme.
Na
rua há fome!
A
casa é quieta,
ninguém
desperta.
..........................
O
poema "Meio-dia" é de uma subtileza singular, onde a mensagem
propositadamente se dilui na toada cantante do discurso e na aparente inocência
das imagens. Mas está lá tudo. Aceitando o enorme desafio, tentemos perceber a
mensagem através de alguns versos:
o
sol de luz é bem cheio
(A
dádiva da natureza a manter viva a promessa negada pelos homens de que o sol
quando nasce é para todos?)
o
trem que vem e apita
(O
trem, a aventura ou a desventura em movimento. Os que partem... perdidos; os
que chegam...desenraizados?)
estômago
oco se agita
(Será
o atraso da refeição que está garantida? Ou será o atraso irremediável duma
carência primária inadmissível?)
guri
pegando na bola
(É
um menino que brinca ou um excluído que tem na rua o recreio e o lar... e a
delinquência a acenar?)
mochila
se indo à escola
(É
uma imagem linda! Será o menino da rua que "passeia" a ilusão de um
futuro incerto ou duma refeição escolar?)
Na
Igreja insiste o sino
(Insiste
em quê? E porquê? E para quê? A interrogação constante sobre o significado das
insistências...)
o
céu, no azul, é menino
(O
céu, pois, onde o voo é livre... e onde todos os meninos são iguais ao Menino
Jesus! Onde são todos iguais!)
Na
praça clara, deserta,
o
tédio do homem desperta
(A
praça (o espaço!) é clara ( a luz!) e está deserta (sem ninguém?). E por que
desperta o tédio do homem?)
o
sol não vislumbra a lua
(Que
quer isto dizer? Que a luz despreza a beleza do sonho que a lua representa
simbolicamente? Que não-sol é este?)
6
No
Discurso de Costumes, a análise, a perspectiva e a ironia são graciosas e bem
humoradas, divertindo-se com as estabelecidas convenções e comédias que a
Sociedade institucionaliza e até sacraliza, com a leviandade e a encenação que
privilegiam a face da superficialidade e,
quantas vezes, da ostentação, à verdade visceral da pureza da nudez, sempre tão
oposta a alardes e artifícios da vanidade que grassa com a impunidade datada da
pretensão de impor o efémero parecer à perenidade do ser.
Do
poema "O casamento":
Com
babados, fricotes,
bordaduras,
franzidos,
fez-se,
lindo, o decote
no
mais belo tecido!
............................
Decorada
a capela,
com
guirlandas e velas,
foi
o noivo amoroso,
aguardando
por ela!
.............................
Pelo
casa, não casa,
deste
par, corto as asas!
No
sermão, que é meu,
hoje
o "não"... digo eu!
Do
poema "Esmeralda":
Esmeralda,
Esmeralda...
sempre
tão bem arrumada!
Esmeralda,
seu esmero,
chega
a ser um despautério!
...................................
Passa
o sol sobre o nariz,
o
cabelo põe de lado,
à
janela vai feliz,
esperando
o namorado!
.................................
Do
poema "Serafina":
Serafina,
Serafina,
sempre
a vejo na janela!
Será
grossa ou será fina,
sua
canela, ó menina?
7
No
Discurso da Saudade irrompe, incontrolável, uma nostalgia emocionalmente
contagiante, ora sofrida, ora censurante, ora deliciosamente prazenteira e
menina.
Destaquemos
alguns versos para revelarem esta leitura que fazemos e que é redutora, porque
este trabalho não é, como a Poetisa Maria da Graça Almeida inteiramente
justifica, um estudo aturado. Limitar-se-á a umas poucas páginas. Será, por
isso, um trabalho inacabado. Alguém com outro fôlego e outra capacidade a
distinguirá com um estudo à sua altura.
Do
poema "Minha terra":
Lá
na terra onde nasci
há
mais terra, há mais chão,
há
mais mato, há mais grão.
(E
deste seu paraíso de liberdade sem limite, onde há espaço e há pão, parte para uma
sacralização afectiva comovente...)
Há
amores mais amigos,
há
amigos mais antigos,
há
um céu tão mais aberto
...................................................
onde
o povo é mais gente,
onde
as faces têm mais vida
..................................................
as
vizinhas são amigas,
as
amigas, meio irmãs
e,
em mãos, sempre entregam,
com
bom cheiro, com tempero,
empanados
com carinho,
os
segredos das manhãs.
O
poema "fiquei com vontade de contar" é uma pérola da juvenília, o
prenúncio do dia que é hoje a Poetisa Maria da Graça Almeida. O primeiro
desgosto de amor, já a resvalar para a sensação irremediável de perda que é, na
idade adulta, a constante do nosso viver... a perda... a exacta e dolorosa
certeza da nossa efemeridade.
Destaquemos
uns poucos versos, como que tão-só levantando uma ponta do véu:
Se
desta vida você for primeiro, nada se haverá de fazer.
Emudecida,
seguirei seu féretro e depositar-lhe-ei a mais bela flor
que
um dia, por aqui, inda irá aparecer.
Duas
gotas cairão e eu nem disfarçarei, não mais precisarei esconder
......................................................................................................................................
Porém,
se eu partir primeiro, ah, aí, sim, bem saberá o quanto o amei
e
os mares que por você deitei.
Do
poema "Retratos":
Era
eu menina,
ela
também.
Eu
tinha sonhos,
ela...
nem sei.
Eu
me alongava,
ela
também.
Eu
a amava,
ela...
nem sei
...............................
Doou-me
os filhos,
doou-me
a sombra.
......................................
E
o tempo insano
cruel,
desumano,
ferindo-a
de morte
mudou-lhe
a sorte.
..........................................
foi
condenada
por
conta do nada.
..............................................
Deixou-me
um vazio
e
um peito vadio,
chorando
de dor
o
ataúde sem flor.
E
estoutra maravilha do poema "Duas letrinhas":
Boca
miúda... suja!
"um
dia, ainda,
te
passo pimenta,
que
saiam faíscas
e
fogo das ventas!"
....................................
"Palavrão,
nada, vovó,
não
é justo, tenha dó!
A
palavra é pequenina,
duas
letrinhas... e só!"
"Atraso"
é um poema incontornável: a ternura sublime da recordação de sua mãe. Dizemos,
aqui, em Portugal, e, no Brasil, não sei, que "Mulheres há muitas, mas mãe
há só uma". É a perda de que já falámos assombrando os nossos dias! Sentidamente recordo a amargura de Rosalía de
Castro, a grande Poetisa da Ibéria, natural da Galiza, quando chora, ainda que
noutro contexto: "Este parte, aquele parte, e todos, todos se
vão...)".
Vejamos:
Conheci
minha mãe,
então,
mãe de cinco filhos!
Conheci-a
já cheiinha
de
corpo e preocupação.
Não
sei se fui bem-vinda,
às
vezes penso que não!
Já
lhe pesava a idade
e
uma barriga a mais,
numa
idade avançada,
ainda
pesa tão mais!
E
assim mesmo apareci,
mesmo
sem ser convidada,
mesmo
sem prévio aviso,
mesmo
sem hora marcada!
Ó
mãe, desculpe
minha
visita inesperada!
................................................
chego
eu distraída, atrevida,
toda
em bronquite,
e
outros itens em ite,
que
a obrigaram
nas
madrugadas sombrias,
nas
noites quentes ou frias,
a
caminhar pela casa comigo
no
colo envelhecido
.................................................
Ó
mãe, quantos anos eu lhe devo?
...................................
Ó
mãe, de anos e anos já muitos,
de
tempos de alto custo,
quase
a mato de amor
depois
de matá-la de susto!
É
deveras incontornável este poema! A saudade sofrida! A dúvida sofrida! A mágoa
sofrida! A ternura sofrida pela mãe querida e sofrida! Arriscamo-nos a afirmar
de que só quem não teve mãe pode ficar indiferente à emoção arrebatadora que
atingiu a Poetisa no momento mágico em que escreveu este poema. Este
"atraso" merecia estar, sem favor, em todas as antologias de amor!
Todas!
8
No
Discurso Lírico Confessional, precisando melhor, no discurso em que a
Poetisa+Mulher+Cidadã deixa entrever as suas emoções perante si mesma e perante
os outros, quer em sentido lato, quer em sentido restrito, a beleza persiste
sempre em atingir alturas que nos encantam.
Do
poema "Volte para mim":
...................
Veja,
o espelho envelheceu,
olhe
para mim, reconheça-me, sou eu.
...................
os
mesmos joelhos já ralados
pelas
travessuras meninas
e
que se queixam, hoje, calejados
pelas
rezas e ladainhas
......................
Perceba,
o vento inda é aquele
e,
descabelado, varre as ruas
com
a mesma euforia,
porém
o tempo, engravatado,
nem
mais tem tempo
de
acalentar-me as fantasias...
Então
venha, faça um esforço,
tente
essa via, volte pra mim,
sorria!
O
poema "Milagre":
De
raios vestida,
com
mel e acalanto,
enfeitas
a lida
com
doces de encanto.
Do
amor distraída,
nas
noites do campo,
és
fêmea contida,
sem
dores e pranto.
Mas
no lodo escuro,
tens
nome de flor.
Num
beco impuro,
encontras
a dor,
com
pincéis mais duros
retocas
a cor,
com
jeito maduro
reprovas
o amor.
O
poema "Ao poeta" será um apelo irresistível a Orfeu e à sacralização
da Poesia:
Sua
palavra é feito água,
que
se infiltra cristalina,
entre
os lábios sequiosos
de
um sedento que definha.
É
um som que vem de longe
e
arrebata-me os sentidos,
é
a palavra que se encaixa
feito
nota em meus ouvidos.
Vem
com letras decididas,
faz
a frase resolvida.
Sobre
as linhas sublinhadas
traz
sua face estampada.
Já
conheço sua letra
e
o traçado da escrita.
Reconheço-a
facilmente,
mesmo
se não manuscrita .
Do
poema "Meu Deus", atentemos nesta definição que a Poetisa nos dá de
Deus, o encantamento que pressente no mais íntimo de si mesma:
Tens
o êxtase do belo,
a
plenitude do subtil,
a
inquietude do mistério.
E
a angústia da vida que se esvai, a ansiedade do caminho inexorável para o termo
do ciclo que nos é concedido, a certeza dolorosa da morte, porventura a nossa
única certeza:
...........
Nunca
tive vontade de ir, sempre quis ficar.
Quando
criança, tentava inventar
jeitos
para ludibriar a derradeira chamada...
Aí
pensei: Ficarei através dos filhos.
Mas,
imediatamente, percebi que filhos
não
traduzem sem interferência os sentimentos nem
os
pensamentos... de pais, eles próprios têm os próprios.
Então
resolvi escrever... quem sabe...
Deste
lamento desesperado da Poetisa também ressalta(?), e de forma exemplar, a
mensagem que muitos pretendem ignorar: que a vida que geramos viverá a sua
vida... ou que a vida se não esgota, evidentemente, na procriação... ou ,
talvez melhor, que todos devemos viver a nossa vida e deixar os outros, ainda
que filhos, viver as suas. Será?
São
bastantes e variados os cenários que podemos observar no nosso quotidiano se
pretendermos atentar nos relacionamentos familiares. Há os filhos que nunca
consentem cortado o cordão umbilical; há os ditos independentes, que querem
viver a sua vida, saindo de casa, como os pássaros do ninho, logo que as asas
lhes permitem uma hipótese de voo; há os que invocam a sua vida conjugal e o
aforismo "quem casa quer casa" para, decididamente cortarem as
amarras. E a vida é isto... cada vida é uma vida... que se cumpre ou não!
9
O
discurso, o estilo, a versificação... e que mais?
A
Poetisa Maria da Graça Almeida conseguiu encontrar a beleza da pluralidade
temática na singularidade poética. Queremos com isto dizer que a Poetisa é
sempre ela mesma, porque o seu discurso nunca viola o seu estilo. Nem poderia
violar, porque as emoções são autênticas, são saboreadas, são sentidas, são
sofridas!
A
versificação é, em Maria da Graça Almeida, mais uma variedade de ritmos do que
uma norma pré-estabelecida. Cultiva tanto o versilibrismo como o verso medido.
E com a mesma desenvoltura e a mesma segurança.
*
Nota
final. Necessária. Indispensável. Rigorosa.
Sabemos
e queremos este trabalho como uma aproximação à Poesia de Maria da Graça
Almeida. Uma descoberta a desafiar quem não leu a sua poesia.
José-Augusto
Carvalho
6
a 20 de Abril de 2002.
Alentejo * Portugal
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